Em $1766$, quando Euler deixou o lugar de diretor da seção de Matemática da Academia de Berlim, Frederico, o Grande, foi convencido por D'Alembert que o substituto ideal seria Joseph-Louis Lagrange $(1736-1813)$. E Frederico, do alto de sua presunção, formulou um convite em que fazia constar que "o maior dos matemáticos deveria viver perto do maior dos reis". Esse "argumento" sem dúvida era muito fraco para convencer alguém tão modesto quanto Lagrange. Mas fatores de ordem científico-profissional devem ter pesado decisivamente e lá se foi Lagrange para a capital da Prússia, onde viveu por cerca de $20$ anos, até a morte de Frederico. E durante esse período o monarca jamais teve dúvidas de que fizera a melhor escolha possível.
Lagrange nasceu em Turim, mas tinha ascendência francesa, além de italiana. Era o mais novo (e único sobrevivente) de uma prole de onze filhos. Seus pais. que eram ricos ao se casarem, perderam tudo e não deixaram bens ao filho, um fato que Lagrange serenamente assim comentou: "Se houvesse herdado uma fortuna, provavelmente não me teria dedicado à Matemática".
Mas a Matemática não foi a primeira predileção de Lagrange em seus estudos. Inicialmente inclinou-se para as línguas clássicas; depois, ja na Universidade de Turim, seu interesse voltou-se para a física; por fim, influenciado por um texto de E. Halley $(1656-1742)$, cuja finalidade era por em evidência as vantagens do cálculo newtoniano, abraçou a Matemática, que tanto iria engrandecer. E já aos $18$ anos de idade, mercê de seu talento e seu empenho, era indicado professor de Geometria da Escola Real de Artilharia de Turim. Por essa época começou a concorrer aos cobiçados prêmios bienais oferecidos pela Academia de Ciências de Paris. E levaria a palma em cinco, até $1788$, com trabalhos de aplicação da Matemática à Astronomia.
Após a morte de Frederico, Lagrange fixou-se em Paris, a convite de Luís $XVI$. Pouco depois, um esgotamento nervoso roubou-lhe todo o interesse pela Matemática. Curiosamente, o tumulto da Revolução Francesa o tirou desse estado. E nos anos seguintes, em meio a tantas crises e reviravoltas. conseguiu manter-se sempre ativo e produtivo. E o fez com tanta dignidade que, a despeito de jamais ter feito concessões, ganhou o respeito das sucessivas facções que ocuparam o poder.
Lagrange deixou contribuições de monta em campos diversos como Álgebra, a Teoria dos Números e a Análise. Neste último tentou algo praticamente impossível para a época: aclarar o conceito de derivada. E como sua abordagem foi essencialmente algébrica, visando controlar as ideias de limite, segundo Newton, e diferencial, segundo Leibniz, na época ainda mal alicerçadas, não poderia mesmo ter sucesso. Mas, apesar dos lapsos que cometeu, deu um passo à frente com seu enfoque abstrato. De seu esforço ficou contudo a ideia de função derivada e a notação correspondente $f'(x)$, ainda em uso.
Dentre as obras de Lagrange, a que mais marcou época foi sua Mecânica Analítica $(1788)$, na qual começou a pensar ainda em Turim e que, no dizer de Hamilton, é "uma espécie de poema científico". Em seu prefácio Lagrange gaba-se de não usar um diagrama sequer no texto, salientando dessa forma o tratamento postulacional-analítico que deu ao assunto, considerando a mecânica mais uma geometria em quatro dimensões (a quarta dimensão é o tempo) do que um ramo das ciências naturais. A Mecânica Analítica é um coroamento da obra de Newton, de quem certa vez Lagrange disse: "foi o mais feliz dos homens, pois não há senão um Universo e coube a ele a honra de descobrir suas lei matemáticas".
Napoleão, que nomeou senador, conde e grão-oficial da Legião de Honra, melhor do que ninguém soube sintetizar seu perfil científico: "Lagrange é a grande pirâmide da Matemática".
Texto de: Hygino H. Domingues
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