Como se poderia testar a validade da lei da gravitação além do Sistema Solar? Isto se tornou possível depois que William Herschel e seu filho John descobriram que as estrelas "fixas" não as são realmente, tendo observado vários movimentos estelares; em particular, o Sol se desloca em direção a um ponto da constelação de Hércules, próximo à Estrela Vega, a uma velocidade de aproximadamente 2/3 à velocidade da Terra em sua órbita.
Os Herschels descobriram inúmeras estrelas duplas: um par de estrelas em órbita uma em torno da outra. Um exemplo é Sirius, localizada na Constelação de Cão Maior, possui uma luminosidade 23 vezes maior que o Sol e massa com cerca de 2,1 massas solares. Foi descoberto em 1862 que a estrela Sirius é um sistema binário. Sua companheira, bem menos luminosa, é denominada por Sirius B e foi a primeira estrela-anã a ser descoberta.
A figura acima ilustra a órbita de Sirius B em torno de Sirius A (que é a estrela mais visível), projetada contra a esfera celeste e por este fato, a posição do foco fica distorcida. Mas é possível verificar que é claramente uma elipse Kepleriana, com período T = 50 anos. Sirius está a uma distância de apenas 8,7 anos-luz da Terra, mostrando assim que a lei da Gravitação permanece válida mesmo a essa distância. O mesmo fato observou-se em estrela binárias mais distantes.
Em distâncias bem maiores, da ordem de 104 anos-luz, observam-se aglomerado de estrelas de forma aproximadamente esférica e dimensões da ordem de 105 vezes as do Sistema Solar. Esses aglomerados devem ser mantidos pela atração gravitacional.
A nossa Galáxia (comumente chamada de Via Láctea) é uma galáxia espiral, como a Nebulosa de Andrômeda. “Vista de lado” ela teria aproximadamente a forma esboçada pela figura abaixo, com um núcleo central e um disco em rotação, contendo os braços espirais.
Podemos interpretar esta forma como resultante da condensação por atração gravitacional de uma vasta nuvem de gás em rotação lenta. À medida que a nuvem se condensava, sua velocidade de rotação aumentaria até que impedisse a contração em direção ao eixo, permitindo apenas contração paralela ao eixo.
O Sistema Solar como um todo e estrelas vizinhas estão num dos braços espirais, a cerca de 30.000 anos-luz do centro, e giram em torno dele com uma velocidade orbital da ordem de 200km/s e um período de rotação da ordem de 2,5 x 108 anos. Se tratarmos esse movimento como uma órbita Kepleriana sob a ação da massa total M da Galáxia concentrada em seu centro, podemos estimar essa massa utilizando uma fórmula derivada da 3ª Lei de Kepler:
Encontrando um valor de aproximadamente M = 3 x 1041 kg. Como o Sol é uma estrela típica e tem massa de aproximadamente 2 x 1030 kg, estima-se que há da ordem de 1011 estrelas em nossa Galáxia.
Numa escala ainda mais vasta, observamos aglomerados de galáxias, o que também é atribuído à atração gravitacional entre elas. A nossa Galáxia faz parte do “Grupo Local”, que contém cerca de uma vintena de galáxias, inclusive a galáxia Andrômeda e as nuvens de Magalhães. Foram observados aglomerados de até aproximadamente 105 galáxias e há observações de aglomerados de galáxias até a distâncias da ordem de 109 anos-luz. Podemos portanto corroborar a audaz hipótese de Newton, de que a lei da gravitação é realmente universal.
O sucesso imenso da Mecânica Newtoniana em sua aplicação à astronomia levou a um grau de confiança muito grande no esquema da física por ela sugerido. O próprio Newton formulou esse esquema no prefácio dos Princípia: "Ofereço este trabalho como os princípios matemáticos da filosofia, pois toda a tarefa da filosofia parece consistir nisto – a partir dos fenômenos de movimento investigar as forças da natureza, e depois a partir destas forças demonstrar os demais fenômenos...".
Laplace, em seu Ensaio Filosófico sobre as Probabilidades (1814), enunciou claramente o programa associado a essa concepção mecanicista, em termos do que se tornou conhecido como o "determinismo Laplaciano":
"Devemos... considerar o presente estado do universo como o efeito de sue estado anterior e causa do que se cai seguir. Se imaginarmos por um instante uma inteligência que pudesse conhecer todas as forças de que a natureza é animada e as posições respectivas dos corpos que a compõem – uma inteligência suficientemente vasta para submeter estes dados à análise – ela compreenderia na mesma fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do átomo mais minúsculo; para ela, nada seria incerto e o futuro, bem como o passado, estariam presentes à sua visão. A mente humana oferece, na perfeição que foi capaz de dar à astronomia, um exemplo modesto do que seria essa inteligência."
Quando Laplace presenteou Napoleão com um exemplar de sua monumental obra Mecânica Celeste (5 volumes, 1799 – 1825), o imperador lhe perguntou se era verdade que Deus não era citado em parte alguma do tratado. Laplace respondeu: "Sire, jê n’ai pás eu besoin de cette hypothèse-là." (Eu não tinha necessidade desta hipótese).
Referências
[1] Curso de Física Básica V1 – Mecânica – H. Moysés Nussenzveig
Veja mais:
As Velocidades da Terra
A Astronomia e os Astrônomos da Grécia Antiga
A Lei da Gravitação Universal e Campo Gravitacional
Tamanho dos Astros e Estrelas no blog Infravermelho
Além do Sistema Solar no site da USP
Olá, Kleber!
ResponderExcluirMuito boa, essa postagem nota... não quero exagerar, então... vai um 10!!!!!!!!!!!! (obs.: cada exclamação vale 10 ^10. Rsrsrsrsrs!) e eu chamo a atenção das pessoas interessadas nos assuntos da astronomia, que isto aqui é de uma importância... capital!
Parabéns, parceiro!
Um abraço!!!!!
Valeu Valdir!!!
ResponderExcluirForte abraço!
Pois é Kleber. Estes mestres que você citou viveram em uma época que ficou mesmo conhecida pelo determinismo. O pensamento era mais ou menos assim: "Me dêem todos os dados suficientes sobre um problema e eu prevejo o que irá acontecer". No entanto, depois deles vieram tantas dúvidas.Logo em seguida, descobriu-se que na verdade nem tudo poderia ser determinado, não é mesmo ? E o problema estava justamente na forma como seriam feitas as medições para obtenção dos dados suficientes. Acho que o Princípio da Incerteza de Heisenberg resume o que foi esta época, que derrubou o conceito amplo e abrangente que se tinha sobre o determinismo.
ResponderExcluirÉ claro que muitas previsões ainda podem ser feitas a partir de observações, como é o caso deste belo exemplo da estrela Sirius B e seu movimento em torno da irmã maior, mas as "questões abertas", como a origem do Universo, e do que seria o bloco básico da matéria ainda dividem os maiores pensadores de nossa época.
A minha opinião pessoal, e aqui deixo espaço para que possam discordar de mim, é que o nosso cérebro não evoluiu suficientemente para que pudéssemos compreender satisfatoriamente estas questões. Não significa que devemos desistir de tentar, apesar de nossas limitações. Afinal a curiosidade do ser humano é uma coisa que jamais poderemos freiar. Tomara.
Muitos procuram conforto para estas dúvidas nas religiões, e eu acho que devemos respeitar estas escolhas. Mas achei interessante Laplace não ter sentido necessidade de considerar a hipótese da participação de Deus na explicação sobre a mecânica celeste.
Muito bom este post.
Abraço
Olá Jairo,
ResponderExcluirEu particularmente gosto bastante dessa parte das ciências, sobre a história e o contexto histórico na qual as descobertas aconteciam. Sou fã de Newton e não posso negar. Ele era religioso e um cientista excepcional. Suas obras impulsionaram o desenvolvimento da matemática e física. Mas, como disse, nem tudo se resolvia e Einstein resolveu parte do problema. Creio que logo precisaremos de uma nova física.
Concordo com você quando diz que ainda não evoluimos o suficiente para entendermos certos assuntos, como a origem do universo. Se não continuarmos tentando, nunca saberemos. Isso cai naquela sua postagem sobre o corte de verba nas pesquisas científicas.
Gosto de seus comentários pois você faz com uma visão diferente do trivial. Obrigado por engrandecer com seu comentário!
Um abraço!