20/04/2012

Os mitos Leibnizianos a respeito das curvas diferenciais

O conceito moderno de limites não aparece até o começo do século $XIX$ e, assim, nenhuma definição de derivada parecida com $\displaystyle f^\prime(x)=\lim_{\Delta x \rightarrow 0} \frac{\Delta y}{\Delta x}$ era possível para Leibniz ou seus sucessores imediatos.


A maior parte do pensamento matemático produtivo do período estava baseada e, uma outra forma da noção de "infinitamente pequeno". A atitude de Leibniz diante da equação:
\begin{equation*}
\frac{dy}{dx} = \lim_{\Delta x \rightarrow 0} \frac{\Delta y}{\Delta x}
\end{equation*}
teria sido essencialmente o seguinte: como $x$ tende a zero, ambos $\Delta y$ e $\Delta x$ tornam-se “infinitamente pequenos” ou conjuntamente “infinitesimais”. Portanto é razoável pensar no limite $dy / dx$ como o quociente de duas quantidades infinitesimais, denotadas por $dy$ e $dx$ e chamadas de “diferenciais”. Na imaginação de Leibniz, um infinitésimo era uma espécie particular de número que não era nulo e ainda era menor que qualquer outro número.

Havia também uma versão geométrica dessa ideia, onde uma curva era pensada como consistindo em um número infinito de segmentos de retas infinitamente pequenos:


Uma tangente era uma reta contendo um desses minúsculos segmentos. Para determinar o coeficiente angular da tangente num ponto $P(x, y)$, movemos uma distância infinitesimal ao longo da curva até o ponto $P^\prime (x + dx, y + dy)$ e observamos que o coeficiente angular do segmento infinitesimal é o quociente $dy / dx$.

Acredita-se que Leibniz tenha introduzido as diferenciais $dx$ e $dy$ para denotar correspondentes variações infinitesimais nas variáveis $x$ e $y$. Para ter uma ideia de como essas diferenciais eram usadas, suponha que as variáveis $x$ e $y$ sejam relacionadas pela equação:
\begin{equation}
y=x^2
\end{equation}
Leibniz, então, substituiria $x$ e $y$ por $x+dx$ e $y+dy$ para obter:
\begin{equation}
y+dy = (x+dx)^2\\
\ \\
y+dy = x^2 + 2x~dx+dx^2
\end{equation}
Substituindo $(1)$ em $(2)$, obtemos:
\begin{equation}
x^2+dy = x^2 + 2x~dx+dx^2\\
\ \\
dy = 2x~dx + dx^2
\end{equation}
Leibniz simplesmente descartaria o termo $dx^2$ chegando à fórmula familiar:
\begin{equation}
dy = 2x~dx\\
\ \\
\frac{dy}{dx} = 2x
\end{equation}
A justificativa de Leibniz é que o quadrado de um número infinitamente pequeno é “infinitamente infinitamente pequeno” ou “um infinitésimo de ordem superior”, e assim seria inteiramente desprezível.

Para Leibniz, a derivada era um quociente genuíno, um quociente de infinitésimos, como o dado em $(4)$ e ilustrado na figura logo acima. Essa forma de cálculo veio a ser largamente conhecida como “Cálculo Infinitesimal”.

Comparando o uso dos infinitésimos por Leibniz com a abordagem moderna baseada em limites, por exemplo, a função $y = x^2$, se $\Delta x$ é uma variação não-nula de $x$ e $\Delta y$ é a correspondente variação em $y$, então obtemos:
\begin{equation*}
\Delta y = 2x~\Delta x + \Delta x^2
\end{equation*}
Em vez de descartarmos o termo $\Delta x^2$, o dividimos por $\Delta x$ e obtemos o quociente $\Delta y / \Delta x$, e depois definimos a derivada como sendo o limite desse quociente quando $\Delta x$ tende a zero:
\begin{equation*}
\frac{dy}{dx} = \lim_{\Delta x \rightarrow 0} \frac{\Delta y}{\Delta x} = \lim_{\Delta x \rightarrow 0} (2x+\Delta x) = 2x
\end{equation*}
Reproduzindo o que Leibniz encontrou em $(4)$, de um modo que substitui o uso de infinitésimo por um cálculo de limites.

As ideias de Leibniz funcionaram efetivamente de maneira quase miraculosa e dominaram o desenvolvimento do Cálculo e das Ciências Físicas por quase $150$ anos. No entanto, essas ideias eram falhas, já que os infinitésimos, no sentido descrito acima, claramente não existem, pois não existe tal coisa como um número positivo que é menor que todos os outros números positivos.

Por todo esse período de mais de um século, o enorme sucesso do Cálculo como instrumento de resolução de problemas era óbvio para todos, e ninguém ainda era capaz de dar uma explicação logicamente aceitável do que era o Cálculo. A névoa que obscurecia seus conceitos fundamentais foi finalmente dissipada no começo do século $XX$ pela teoria dos limites. Afortunadamente, os primeiros matemáticos do período moderno (o próprio Leibniz, os Bernoullis, Euler, Lagrange) tiveram profundos sentimentos intuitivos para o que era razoável e correto nos problemas que estudaram. Embora seus argumentos muitas vezes não fossem rigorosos do ponto de vista moderno, esses pioneiros raramente se perdiam em suas conclusões.

Se um mito é uma expressão dissimulada, condensada e simbólica de uma verdade mais complicada e talvez parcialmente oculta, então a Matemática tem seus mitos exatamente como a História e a Literatura. As diferenciais de Leibniz foram eliminadas do “Cálculo oficial” pela teoria dos limites, contudo, elas permanecem como uma parte viva da mitologia do assunto.

Referências:

[1] Cálculo com Geometria Analítica V1 – Simmons – Ed. McGraw Hill

Veja mais:

O Cálculo Integral
Leibniz e as Diferenciais
Teste da Integral para Convergência de Séries
Dropping in on Gottfried Leibniz  no Stephen Wolfram Blog



COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO: Título: Os mitos Leibnizianos a respeito das curvas diferenciais. Publicado por Kleber Kilhian em 20/04/2012. URL: . Leia os Termos de uso.


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18 comentários:

  1. Oi, Kleber!

    Realmente o infinitamente pequeno ou as "quantidades que desaparecem" de Leibniz é um conceito duvidoso. Até mesmo o conceito de limite pode confudir, por exemplo:

    Se o limite de 2xDx é zero quando Dx tende é zero, eu posso escolher um x suficientemente grande de forma que 2xDx=1. ( (1/z).z=1 ).

    Aí poderia-se pensar que o cálculo só é válido quando Dx tender a zero e a diferença x-Dx tender ao infinito.

    Valeu!

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  2. Oi Kleber! Oi Teixeira! Só para trocar ideias. No fundo o que Leibniz fez foi arranjar uma outra raiz quadrada para "0"(zero). Se aceitamos "i" como raiz quadrada de (-1), por que não aceitar uma outra raiz quadrada para zero!! Que é o único número que só tem uma raiz quadrada? Não sei se a dúvida procede, não sei se porque moramos na periferia do mundo, sei que muita coisa, para mim, ainda está sem explicação. abçs

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    1. Oi, Tavano! Sabe que nunca tinha pensado nisso? É interessante imaginar um número hipotético [;\nu;] de forma que [;\sin(\nu)=\cos(\nu)=0;] , para ser usado na fórmula de Moivre.

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  3. Tem algum artigo aqui que explique de forma mais clara a definição formal de limite? Estou estudando calculo, mas eu não gosto quando o que a professora explica não fica tão claro.

    "Seja $f(x)$ definida num intervalo aberto $I$, contendo $a$, exceto talvez em no próprio $a$. Dizemos que o limite de $f(x)$ quando $x$ se aproxima de $a$ é $L$, e escrevemos
    $\displaystyle\lim_{x\rightarrow a}{f(x)}=L$
    se para todo $\epsilon>0$, existe $\delta>0$, tal que $|f(x)-L|<\epsilon$ sempre que $0<|x-a|<\delta$"

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    1. Vamos ver:
      Limite de uma variável: Diz-se que uma variável $x$ tem um limite $a$, quando $x$ toma sucessivamente os valores $s_1,s_2,s_3,\cdots$, se, para qualquer valor positivo, predeterminado, de um número $\epsilon$, por menor que seja, o módulo de $x - a$ se torna e permanece menora que $\epsilon$.

      Limite de uma função: Diz-se que uma função $f(x)$ tem um limite $L$ quando $x \to a$, $\displaystyle\lim_{x\rightarrow a}{f(x)}=L$, se tendendo $x$ para seu limite, de qualquer maniera e sem atingir o valor de $a$, o módulo de $f(x) - L$ se torna e permanece menor do que qualquer valor positivo $\epsilon$ predeterminado, por menor que seja.

      Não suponha, por exemplo, que $\displaystyle\lim_{x\rightarrow a}{f(x)}=f(a)$, pois $\displaystyle\lim_{x\rightarrow a}{f(x)}=f(x)$ depende do comportamento de $f(x)$ para os valores de $x$ próximos (mas diferentes) de $a$, enquanto que $f(a)$ é o valor da função em $x=a$. Isso mostra a necessidade do intervalo ser aberto.

      Como estudante, a fim de se aprofundar no cálculo, sugiro dois livros muito bons:
      1) Cálculo com Geometria Analítica V1 e V2 - Simmons
      2) Cálculo - Munem-Foulis

      Visite também o blog Fatos Matemáticos:
      http://fatosmatematicos.blogspot.com

      Tem muitos assuntos sobre limites. Faça uma pesquisa por "limites" e veja os bons resultados.

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    2. Pelo que eu pude analisar, a condição $0<|x-a|<\delta$ define uma vizinhança de $a$, já que
      $|x-a|<\delta\iff-\delta<x-a<\delta$
      $\iff a-\delta<x<a+\delta$
      $\iff x\in(a-\delta,a+\delta)$
      e juntamente com a condição de que $0<|x-a|$, temos que $x\in(a-\delta,a+\delta)-\{a\}\iff x\in(a-\delta,a)\cup(a,a+\delta)$, ou seja, valores "vizinhos" de $a$.

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  4. Também gostaria de entender por que o intervalo é definido como aberto e não como outro tipo intervalo.

    Desde já, Obrigado.

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    1. O intervalo é aberto, e não fechado, justamente por que $x\rightarrow a$ ($x$ tende a $a$) mas não é igual a $a$. Desta forma, não podemos dizer que o intervalo é fechado.

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  5. Oi Francehelder!(nome pra teorema!!!) Só para adiantar: Estando definido para um intervalo aberto já inclui |R(reais) é cômodo para a definição. E, ademais suponha que f esteja definida num intervalo fechado digamos [1;2] e seja a=1, aí é dado um épsilon=0,1, por exemplo, e daí calculamos um delta, esse delta não é fixo você pode diminuí-lo o quanto queira mas ele tem que continuar maior que zero, digamos que você calculou delta<0,1, então para todo x no intervalo (0,9;1,1]; a distância de f(x) até L tem que ser menor que épsilon. Mas como calcular, por exemplo f(0,95) se f não está definida para valores menores que 1 ? Já se o intervalo for aberto conseguimos diminuir delta a ponto de o intervalo caber dentro do domínio de f. Desculpe a intromissão ,Kleber, foi uma dúvida que eu sempre tive e não resisti à tentação. Obrigado...abçs

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    1. Obrigado Tavano pela explicação. Eu nem precisaria responder ao nosso futuro "Teorema" devido à sua exposição aqui, mas de qualquer forma, me senti na obrigação.

      Fique a vontade em responder a quem quiser. Este blog é aberto a debates que exuberam o conhecimento.

      Abraços.

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  6. Eu acho que Leibniz, pelas ferramentas matemáticas que tinha disponível na época, fez milagre. Não pelo fato de encontrar algo miraculoso que colocava a verdade cmo algo inquestionável, mas sim por tentar explicar algo que ele não tinha como explicar. No fim, o resultado estava certo. E isso, por si só, já foi incrível.

    Abraços.

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    1. Acho que essa é pra mim. Agora como seria a abordagem de Newton sobre estes infinitésimos??

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  7. Newton utilizou o conceito de fluentes e fluxões definindo assim:

    "Eu chamarei de Quantidades Fluentes, ou simplesmente Fluentes estas quantidades que eu considero como aumentadas gradualmente e indefinidamente, eu as representarei pelas últimas letras do alfabeto $x$, $y$ e $z$ para distinguir das outras quantidades que, nas equações, são consideradas como conhecidas e determinadas que nós representamos pelas letras iniciais $a$, $b$, $c$, etc.; eu representarei pelas mesmas letras sobrepostas de um ponto $\dot{x}$, $\dot{y}$ e $\dot{z}$ as velocidades cujas quantidades fluentes são aumentadas pelo movimento que as produz e, por consequência nós podemos chamar Fluxões".

    Assim, $x$ e $y$ são quantidades fluentes porque variam (fluem), e $\dot{x}$ e $\dot{y}$ são fluxões das fluentes $x$ e $y$.

    Durante um tempo infinitesimal representado por $\circ$, um ponto $P$ se desloca para $P \prime$ numa curva percorrendo um espaço infinitesimal. Representando um triângulo retângulo, termos sua tangente dada por:

    $\dfrac{\dot{y}\circ}{\dot{x}\circ} = \dfrac{\dot{y}}{\dot{x}}$

    Assim, para determinar de maneira algébrica a tangente de uma curva de equação $f(x,y)=0$, Newton substitui $x$ por $x + \dot{x}\circ$ e $y$ por $y+ \dot{y}\circ$ na equação dada, divide por $\circ$, despreza os termos que ainda contém $\circ$ e determina a razão $\dot{y}/\dot{x}$.

    Vemos que, apesar de serem métodos diferentes, o fim é o mesmo.

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  8. Kleber,

    Parabéns pelo post sobre a noção de limites, segundo Leibniz.

    Vou a sua leitura para os meus alunos da licenciatura em Matemática.

    Abs.

    Carlos Roberto
    diadematematica.com

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  9. Legal Carlos. Acho que será bem aceita, pois as ideias de Lebniz foram revolucionárias para a época e é sempre bom conhecer um pouco mais sobre o contexto histórico.

    Obrigado e um abraço!

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  10. Por que dizem Kleber!! que os infinitesimos não existem mais, se o próprio conceito de limites o usa para calculos tão diversificados como seno, coseno, logarítmo entre outra funções?
    O Proprio´ teorema de Taylor usa infinitésimos , reflita isso ( ele não é um número mas
    mas uma tendencia natural que pode e permite a aproximação de uma função qualquer dependendo do número de iterações aplicadas no cálculo!!!

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