16/11/2011

Etimologia das palavras álgebra, algoritmo e seno

Muitos nomes e palavras usadas hoje em dia remontam ao período árabe. Assim, qualquer pessoa interessada em astronomia de observação provavelmente tem ciência de que um grande número de nomes de estrelas, em particular daquelas de brilho mais tênue, é árabe. Entre as estrelas de brilho mais intenso são exemplos bem conhecidos Alderabã, Vega e Rigel e entre as de brilho mais tênue Algol, Alcor e Mizar. Muitos dos nomes de estrelas eram originalmente expressões que indicavam sua localização nas respectivas constelações. Essas expressões descritivas, quando transcritas do catálogo de Ptolomeu para o árabe, acabaram se degenerando em palavras simples como Betelgeuse (axila da Principal), Formalhaut (boca de Peixe), Deneb (cauda de Pássaro), Rigel (perna do Gigante) e assim por diante.

al-Khowârizmî

A origem da palavra Álgebra, como conhecemos hoje, deu-se a partir do título do tratado de al-Khowârizmî sobre o assunto, Hisâb al-jabr w’al-muqâ-balah, é muito interessante. Esse título foi traduzido literalmente como “ciência da reunião e da oposição” ou, mais livremente, como “ciência da transposição e do cancelamento”. O texto, que se preservou, tornou-se conhecido na Europa através de uma tradução latina e fez da palavra al-jabr ou álgebra sinônimo de ciência das equações. Obviamente desde a metade do século XIX o termo álgebra adquiriu um significado muito mais amplo.

A palavra árabe al-jabr veio a encontrar um significado não-matemático na Europa, através dos mouros da Espanha. Nesse país, quem consertava ossos fraturados chamava-se algebrista; e os barbeiros medievais dedicavam-se adicionalmente a essa tarefa, eles próprios chamavam a si mesmo de algebristas.

O livro de al-khowârizmî sobre o uso dos numerais hindus também introduziu em palavra no vocabulário da matemática. Não há cópias do original desse livro, mas em 1857 descobriu-se uma tradução latina que começa por “algoritmi disse...”. Nessa abertura o nome al-Khowârizmî transformou-se em Algoritimi que, por sua vez, deu origem à palavra algoritmo que significa “arte de calcular de uma maneira particular”.

Os significados dos nomes atuais das funções trigonométricas, com exceção do seno, são claros a partir de sua interpretação geométrica, quando se coloca o ângulo no centro de um círculo de raio unitário. Assim, na figura abaixo, se o raio do círculo é uma unidade, os valores de $\text{tg}(\theta)$ e $\text{sec}(\theta)$ são dados pelos comprimentos do segmento de tangente $CD$ e pelo segmento de secante $OD$. Obviamente, co-tangente significa simplesmente “tangente do complemento” e assim por diante. As funções tangente, co-tangente, secante e co-secante foram conhecidas por vários outros nomes, surgindo esses particulares no máximo até o fim do século XVI.

Os significados dos nomes atuais das funções trigonométricas são claros a partir de sua interpretação geométrica

Origem da palavra seno

A origem do nome seno é curiosa. Âryabhata usava ardhã-jyã (semicorda) e também jyã-ardhã (corda metade) e por brevidade escrevia apenas jyã (corda). Partindo de jyã os árabes foneticamente derivaram jîba que, devido à prática entre eles de se omitir as vogais, se escrevia jb. Afora seu significado técnico, hoje jîba é uma palavra que não tem sentido em árabe. Posteriormente, escritores que se depararam com jb como abreviação da palavra sem sentido jîba passaram a usar jaib que faz parte do vocabulário árabe e que significa “enseada” ou “baía”. Mais tarde ainda, ao fazer a tradução de jaib para o latim, Gerardo de Cremona empregou o equivalente latino sinus, de onde vem nossa palavra atual seno.

As avaliações do papel dos árabes no desenvolvimento da matemática de maneira nenhuma são unânimes. Há aqueles que veem nos escritores muçulmanos, particularmente em seu trabalho em álgebra e geometria, grande originalidade. Outros assinalam que esses escritores, a despeito de talvez revelarem erudição raramente eram criativos e que seu trabalho se situa num plano secundário, quantitativa e qualitativamente, em relação aos gregos e aos escritores modernos.

Por outro lado, deve-se admitir que eles deram pelo menos contribuições pequenas à ciência. Ocorre que suas realizações, quando vistas contra o pano de fundo cientificamente estéril do resto do mundo na época, assumiram dimensões maiores do que de fato tinham. Há ainda, no balanço a seu favor, o importante fato de que eles custodiaram de maneira admirável grande parte do patrimônio intelectual do mundo até que os europeus despertassem do marasmo da Baixa Idade Média.

Referências:

  • Introdução à História da Matemática – Howard Eves

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO: Título: Etimologia das palavras álgebra, algoritmo e seno. Publicado por Kleber Kilhian em 16/11/2011. URL: . Leia os Termos de uso.


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8 comentários:

  1. Olá, Kleber!

    Por mim, agora eu vou duplicar o seu salário, fazendo melhor... vou triplicar o seu salário! KKKKKKKKKKKKKKKKK!

    Kleber, eu dou muito valor para as coisas básicas... inocentes! Aqui, nesta ótima postagem, por exemplo, temos à mão, graças à você, informações que, para vários leitores, são coisas sem importância e podem até disparar: "Não quero saber e tenho raiva de quem sabe"... mas, para as pessoas do meu tipo, do meu modo de pensar, essas informações são valiosas porque, no mínimo, provocam o despertar de comportamentos para as pesquisas, os estudos, as descobertas ( eu que o diga) e/ou aquela satisfação de saber o porque dos nomes, dos costumes, das origens e enfim, das verdadeiras histórias!

    Trabalhou divinamente bem aqui, meus parabéns e etimologicamente, posso afirmar, que você, meu amigo Kleber... (embora não pareça, pois é muito moço ainda) é um... DIABO!!!!!!!!!!!!

    Não se assuste! Por favor, eu explico! Até porque... eu sou um diabo (devido a idade) mais evoluído que você! A explicação é a seguinte: etimologicamente, a palavra... DIABO, significa uma pessoa velha e sábia. Sabia? Então, não é o que nós somos? KKKKKKKKKKKKKKKKKKKK!!!!

    A confusão que surge com o emprego do termo é que... DIABO é confundido com... DEMÔNIO, e na verdade, não são palavras sinônimas, não significam a mesma coisa.

    Um abraço!!!!!

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  2. Olá Valdir,
    Realmente é muito interessante este artigo e ver como o sentido as palavras foram se transformando. O Livro do Eves é repleto de pérolas! Nos deliciamos do início ao fim. Eu gosto muito de história da matemática, de saber como um determinado pensamento foi tomando corpo. Hoje temos as fórmulas prontas e esquecemos de olhar para trás e ver o quanto de energia foi disprendido para alcançar um objetivo.

    Às vezes, um artigo simples pode ser tema de debates complexos, e neste caso, seria apenas uma aparente simplicidade.

    Qunato ao diabo!, procurei rapidamente na internet e achei outro significado etimológico, ams não podemos confiar em tudo que lemos por aí. Tem o link da etimologia correta?

    Abraços.

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  3. Olá, Kleber!

    Um linguista foi (se não era o capeta disfarçado) quem me esclareceu isso, pra mim. Disse ele, que essa conotação demoníaca do termo, foi proposital, para que a igreja conseguisse perseguir e julgar aquele que se entregasse às pesquisas e verdades cientificas, por exemplo, Galileu!

    Confiando nessa informação dada pela "autoridade" da linguagem, é que eu nem esquento, quanto alguém diz que eu sou o diabo e ai, eu até brinco, retrucando: "olha, quando você morrer, procura não desgrudar do céu, pois se pender para os lados do inferno, faço já saber que a 1ª garfada que receberá será a minha"! KKKKKKKKKKKKKKKKKKKK!!!!!!!

    Um abraço!!!!!

    Um abraço!!!!!

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  4. Também acho muito interessante estas histórias de formação de palavras que usamos hoje e nem sabemos de onde vêm. Na matemática, pelo que vejo, parece que os árabes contribuiram muito.
    Outra coisa que me questiono,mesmo que só interiormente, como professor, é sobre as letras usadas na física e na matemática para representarem variáveis. Acredito que cada uma deve ter a sua história por trás. A letra h, por exemplo, muito usada para representar altura, quase que certamente é proveniente da palavra "height" em inglês. Mas veja você, Kleber. Algum tempo atrás eu estava ensinando a Lei de Ohm, com a fórmula U = R.i, e eu mesmo fiquei me questionando, também não sei porque, por que raios teriam escolhido a letra U para simbolizar a tensão. Acho que provavelmente tenha vindo da lingua alemã, sei lá. Até hoje não sei. R = resistência, i = intensidade de corrente, mas U ? Será que é só porque é a letra mais parecida com V? Enfim...
    É só um exemplo. Acho que cada uma têm a sua historinha.
    Valeram as informações, e como disse o Valdir, pode ter muita gente que não dá "bola" pra estas coisas, mas achei muito legal.Agradeço por pesquisar e passar pra gente.
    Não sabia que al-Khowârizmî transformou-se em Algoritimo. Por falar nisso, queria saber quais são estes tais algoritmos que o Valdir vive desenvolvendo, e que ele tanto fala. Mistério guardado a sete chaves.Talvez um dia eles sejam revelados.

    Abraços, amigos.

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  5. Para eu que tenho um apreço muito grande sobre a História da Matemática, conhecer a etmologia das palavras é algo extraordinário e que vem provar que as línguas são dinâmicas e passam por um processo de evolução. Muito bom o post e muito obrigado pelas citações acima.

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  6. #Valdir
    Bem explicado e bem provável de ter ocorrido isso, visto que a igreja sempre manipulou a verdade. Valeu pela informação!

    #Jairo
    Realemnte é curioso. Eu estudei eletrônica no colegial, mas não me lembro de ninguém ter dito o porque do U para indicar a tensão. Acredito que tenha açguma relação com os autores ou com o conceito.

    Esse algoritmo do Valdir é algo secreto, secretíssimo! Espero poder desfrutá-lo antes de de dezembro de 2012!

    Paulo
    É uma pena que a literatura que chega até nós é escassa. Ou talvez precise de uma pesquisa mais específica. Eu gosto demais de estudar essa evolução e é um prazer compartilhar com todos.

    Abraços!

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  7. Muito bom!!!

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  8. Caramba Kleber Kilhian, nunca imaginei que, descompromissadamente, perambulando, "roseanamente" - nosso faiscador de Cordisburgo - numa bateada sobre "etimologia", ao clicar em "imagens", bamburrei um "cativo" - aquele agregado diamantífero - presentemente, a capa do livro que aqui me deu "bivacar". Texto brilhante. Amei.

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