Derrotada a batalha de Queronéia pelas forças do rei Filipe, a Grécia torna-se parte do império macedônio no ano 338a.C.. Dois anos depois, com a morte de Filipe, seu filho Alexandre assume o poder, então com 20 anos de idade. Ao morrer, cerca de 13 anos depois, Alexandre incorporara ao seu império grande parte do mundo civilizado de então. Dessa forma a cultura grega, adotada pelos macedônios (em cuja formação populacional predominava o elemento grego), foi estendida ao Oriente antigo. Em sua arrancada expansionista, Alexandre fundou muitas cidades. Uma delas, em especial, teria um papel extraordinário na história da Matemática: Alexandria, no Egito.
Com a morte de Alexandre, o domínio sobre o Egito passou às mãos de Ptolomeu, um de seus líderes militares. E uma das primeiras e talvez mais importante obra de Ptolomeu foi criar em Alexandria, junto ao museu (templo às musas), o primeiro modelo do que viriam a ser as universidades, séculos depois. Nesse centro, intelectuais do mundo inteiro, trabalhando ali em tempo integral, dedicavam-se às pesquisas e ao ensino às custas dos cofres do Estado. Ponto alto da instalação era uma biblioteca, que chegou a ter no auge de seu esplendor, perto de 700 mil rolos de papiro. Muitos grandes matemáticos trabalharam ou se formaram no Museu. Dentre eles, o primeiro talvez, e um dos mais notáveis, foi Euclides (c. 300 a.C.).
Quase nada se sabe sobre a vida de Euclides, salvo algumas poucas informações esparsas. Mesmo sobre sua formação matemática não há nenhuma certeza: é possível que tenha sido feita em Atenas, na Academia de Platão. Papus de Alexandria (séc. IV) deixou registrados elogios à sua modéstia e consideração para com os outros. Mas sua presença de espírito talvez possa ser avaliada pela história segundo a qual, a uma indagação de Ptolomeu sobre se não haveria um caminho mais curto para a Geometria (que o proposto por Euclides), teria respondido: "Não há nenhum caminho real na Geometria". Ou seja, perante a Geometria todos são iguais, até reis poderosos como Ptolomeu.
Embora autor de outros trabalhos, a fama de Euclides praticamente repousa sobre seus Elementos, o mais antigo texto da Matemática grega a chegar completo a nossos dias. Obra em treze livros, apesar de na sua maior parte ser uma compilação e sistematização de trabalhos anteriores sobre a matemática elementar da época, seu êxito foi enorme. Haja vista suas mais de mil edições impressas em todo o mundo, desde a primeira em 1482, um feito editorial talvez só superado pela Bíblia.
Os Elementos dedicam um bom espaço à teoria dos números (três livros), mas com o enfoque geométrico que permeia toda a obra. Euclides representava os números por segmentos de reta, assim como representava o produto de dois números por um retângulo. Contudo, a argumentação usada por ele independe da geometria. Há também no texto um pouco de álgebra geométrica, onde, por exemplo, algumas raízes dadas na forma de segmentos de retas.
Mas, sem dúvida, o forte dos Elementos é a Geometria. A partir de cinco noções comuns, cinco postulados específicos e algumas definições, centenas de teoremas (467 em toda a obra) são deduzidos, alguns de grande profundidade. Além de ser o mais antigo texto de matemática na forma axiomático-dedutiva a chegar a nossos dias, nele Euclides foi muito feliz na escolha e no enunciado de seus postulados básico. E soube usá-los com proficiência. Assim, não é sem motivo que os Elementos, por dois milênios, além de texto fundamental de Geometria, foi o modelo de boa matemática.
Falhas em suas estruturações lógica foram sendo achadas ao longo do tempo. Por exemplo, a questão da continuidade não foi focalizada, o que levava Euclides a usar pressupostos não explicitados sobre o assunto. Tudo isso porém chegar a ser irrelevante em face da grandiosidade da obra e de sua influência científica.
Texto de Hygino H. Domingues
Referências:
Fundamentos de Matemática Elementar V9 - Geometria Plana - Osvaldo Dolce e José Nicolau Pompeo
Olá, amigo.
ResponderExcluirEu fiquei curioso ao ler neste texto do Hygino, sobre a criação da Biblioteca de Alexandria. Para entender melhor, pois na minha ignorância, até agora só havia um Ptolomeu, dei umas pesquisadas e acabei descobrindo algumas coisas que eu não sabia. O Ptolomeu, provável fundador da Biblioteca não é o mesmo Cláudio Ptolomeu, astrônomo, propositor, e ferrenho defensor do geocentrismo. Este último fez parte dos colaboradores da Biblioteca, assim como Euclides, Aristarco de Samos (o primeiro a presumir que os planetas giram em torno do Sol), Arquimedes, Eratóstenes (famoso por calcular a circunferência da Terra), Hipátia (astrônoma do século IV d.C., que por ser pagã, foi assassinada durante um motim de cristãos).
De acordo com a Wkipedia, a fundação da Biblioteca teria sido provavelmente no reinado do faraó Ptolemeu I Sóter, ou durante o de seu filho Ptolomeu II, daí a minha confusão com os vários Ptolomeus. Inclusive, agora entendi que a indagação feita à Euclides sobre se haveria um caminho mais curto para a Geometria, citada no texto, foi feita na verdade pelo outro Ptolomeu (o rei menos famoso). Aliás, que bela resposta ele deu, mostrando o poder da matemática e colocando o rei no seu devido lugar, bem abaixo dela.
No seriado Cosmos, não me lembro em qual episódio, é feita uma reconstituição muito boa do que teria sido esta Biblioteca de Alexandria, e Carl Sagan "passeia" pelas salas com prateleiras cheias de rolos de papirus, réplicas de alguns entre os 700 mil que existiam lá. O incêndio desta biblioteca foi sem dúvida uma das maiores perdas para a história do pensamento humano, e pelo que eu li, ninguém sabe ao certo a sua causa. Sorte que os Elementos de Euclides se salvaram.
Dei uma olhada no site http://aleph0.clarku.edu/~djoyce/java/elements/toc.html que você passou no post sobre os Elementos (não este aqui), e fiquei impressionado com a quantidade e qualidade dos postulados, definições e proposições de Euclides. Sensacional!
Não foi atoa que o nosso amigo Aloísio resolveu dar título ao blog dele, inspirado nesta bela e riquíssima obra.
Parabéns pela divulgação destas histórias da matemática.
PS. Desculpa pelo comentário longo, mas está incluído aí um salário mais o adiantamento do décimo terceiro. :)
Abraço
Oi Jairo.
ExcluirEste texto não é o primeiro do Prof. Dr. Hygino que publico aqui. Há outros tão interessantes quanto e escrito de forma sublime, quase poética.
Essa confusão dos Ptolomeus é bem comum e eu também fazia, pois para mim, só existia o Cláudio, até que, com muita leitura de livros sobre a História da Matemática, passei a conhecer outras figuras importantes na história e a dinastia Ptolomaica, que perdurou por cerca de 330 anos, passando por seus 15 representantes. Veja nesse link uma árvore genealógica: http://pt.wikipedia.org/wiki/Dinastia_ptolemaica
A obra de Euclides teve um impacto tão grande que foi exportada para vários centros do saber, inclusive os árabes, que tanto contribuíram para o desenvolvimento da Matemática e Astronomia. E a versão que chega até nós dos Elementos, não é a original. Newton foi um dos que estudaram os Elementos a fundo e daí começou sua vida de cientista.
Eu tenho uma versão do livro dos Elementos traduzida e introduzida por Irineu Bicudo: http://www.livrariadafisica.com.br/detalhe_produto.aspx?id=82559 É fantástico em toda sua elaboração e suas quase 100 páginas de introdução dão uma boa ideia da importância dos trabalhos de Euclides, como Os Data, Porismas e outros trabalhos perdidos seriam Cônicas, Elementos da Música, Pseudaria e Lugares de Superfície.
A figura de Carl Sagan é muito emblemática para mim, mas confesso que sei muito pouco sobre sua vida e obra. Tenho alguns livros que consegui, mas não tive a oportunidade de lê-los, parece que sempre tem uma prioridade mais urgente... Tenho que aprender a separar o importante do urgente, pois parece que este último sempre consegue tomar mais o meu tempo.
Comentários assim que me motivam a continuar a postar, pois ultimamente está muito difícil me concentrar para escrever um artigo, por diversos fatores.
Obrigado por seu comentário. Um grande abraço!
Longos dias e belas noites!
Olá! Este é o primeiro post que leio neste blog e adorei! Vou visitá-lo com mais frequência. Vocês estão de parabéns e obrigada pelo texto!
ResponderExcluirOlá Liliane, como vai?
ExcluirObrigado pelo prestígio. Faço tudo com muita dedicação, preocupado em obter um artigo que seja acessível, mas que não perca o rigor técnico. Espero vê-la novamente por aqui.
Um abraço.