No capítulo 1 do livro de Fundamentos de Física, de Halliday e Resnick, encontramos uma afirmação que pode parecer trivial à primeira vista, mas que carrega enorme profundidade:
Depois que um padrão é escolhido, ele se torna invariável por definição.
Essa frase aparece no contexto da discussão sobre medições de grandezas físicas fundamentais, tais como comprimento, tempo e massa, que constituem a base sobre a qual toda a Física é amparada.
Halliday expressa em poucas palavras um dos pilares da ciência: a necessidade de padrões invariáveis para medir o mundo.
Introdução
A Física se fundamenta na medição de grandezas físicas e das mudanças nessas grandezas que ocorrem em nosso universo. Algumas delas, como comprimento, tempo e massa, foram escolhidas como grandezas fundamentais, definidas em termos de um padrão e medidas por meio de uma unidade, como o metro, o segundo e o quilograma. Outras grandezas, como a velocidade, são definidas em termos das grandezas fundamentais e seus padrões.
Os padrões, que devem ser ao mesmo tempo acessíveis e invariáveis, definem as unidades das grandezas fundamentais e são estabelecidos por acordos internacionais. Esses padrões servem de base para todas as medições da Física, tanto das grandezas fundamentais quanto das grandesas derivadas.
O que é um padrão de medida?
Um padrão é uma referência estável, escolhida para definir a unidade de uma grandeza. Sem um padrão, não há como comunicar medidas de forma consistente.
Por exemplo, quando dizemos que uma régua mede $30\ cm$, estamos implicitamente comparando seu comprimento com um padrão de metro. O metro, por sua vez, não é apenas "qualquer metro", mas um comprimento definido de maneira universal e aceito pela comunidade científica.
Historicamente, esse padrão já passou por diferentes definições:
- Em 1799, o metro foi definido como a décima milionésima parte da distância do Pólo Norte ao equador.
- No século XX, foi associado ao comprimento de uma barra de platina iridiada guardada em Paris.
- Hoje, o metro é definido em função da velocidade da luz no vácuo, uma constante universal.
Assim, ainda que a forma concreta do padrão possa mudar com o avanço do conhecimento, dentro de cada sistema vigente ele é tratado como invariável.
A invariância por definição
Quando Halliday afirma que o padrão se torna invariável "por definição", está chamando a atenção para um detalhe: Não é que o padrão seja imutável na natureza. É que, uma vez estabelecido, ele passa a ser considerado a referência absoluta.
Ou seja, se o metro é definido a partir da velocidade da luz, não faz sentido perguntar se esse padrão do metro "encolheu" ou "dilatou": ele é, por definição, o padrão. O que muda é a forma como medimos outras grandezas em relação a ele.
Exemplos formais de padrões fundamentais
O metro, representado pelo símbolo $m$, é a unidade de comprimento no SI. Foi a primeira unidade de base para a qual uma definição nova foi formulada a partir de uma constante fundamental: a velocidade da luz. E desde 1983 o metro passou a ser definido como:
O segundo, representado pelo símbolo $s$, é a unidade de tempo no SI. O segundo tem uma definição recente e tem sido realizado com incertezas cada vez menores, com relativa facilidade, inclusive utilizando equipamentos comerciais. É baseado em propriedades atômicas do átomo de um isótopo de Césio, na região de microondas, definido como:
O quilograma, representado pelo símbolo $kg$, é a unidade de massa no SI. Desde 2019 passou a ser definido em termos de constantes físicas fundamentais, utilizando a constante de Planck $(h)$, assegurando estabilidade de longo prazo, pois deixa de depender de um objeto material sujeito a variações.
Por que a invariância é fundamental?
A prática científica depende da consistência das medições. Se cada país, laboratório ou pesquisador utilizasse sua própria versão das unidades de medidas (como o metro e o segundo, por exemplo), não haveria uma base comum para comparar resultados. As leis físicas perderiam seu caráter universal e a ciência se reduziria a coleções fragmentadas de observações locais, sem possibilidade de diálogo ou verificação mútua.
A invariância dos padrões garante, portanto, que todas as medições estejam ancoradas em uma mesma referência, assegurando a comparabilidade (todos medem a mesma grandeza sob a mesma referência), a reprodutibilidade (um experimento pode ser repetido em qualquer lugar do mundo) e a universalidade (a comunicação científica ultrapassa barreiras culturais e linguísticas) necessárias ao progresso científico.
Reflexão filosófica e histórica
É interessante notar que a invariância do padrão é uma convenção humana. Isso significa que, embora hoje tratemos o metro e o segundo como absolutos, eles são fruto de decisões históricas e redefinições técnicas.
No entanto, a cada redefinição, o novo padrão passa a ocupar o lugar de referência invariável. É como se a ciência estabelecesse uma âncora conceitual que, dentro do sistema vigente, não pode ser questionada.
Essa ideia nos leva a perceber que o rigor da física não vem apenas da observação empírica, mas também da definição precisa de conceitos fundamentais.
Referências:
- Fundamentos de Física 1 - Mecânica - Halliday, Resnik e Walker
- https://metrologia.org.br/wpsite/wp-content/uploads/2019/07/Cartilha_O_novo_SI_29.06.2029.pdf
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Quilograma
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Metro
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Tempo
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