A trigonometria, como conhecemos hoje, na sua forma analítica, remonta ao século XVII. Seu florescimento dependia de um simbolismo algébrico satisfatório, o que não existia antes dessa época. Mas, considerando o termo trigonometria no seu sentido literal (medida do triângulo), a origem do assunto pode ser situada já no segundo ou terceiro milênio antes de Cristo.
O papiro de Rhind, importante documento sobre a matemática egípcia (aproximadamente 1700 a.C.), menciona algumas vezes o seqt de um ângulo, em conexão com problemas métricos sobre pirâmides. O seqt do ângulo $O\hat{M}V$ na figura abaixo é a razão entre $\overline{OM}$ e $\overline{OV}$e, portanto, corresponde à ideia atual de cotangente. As pirâmides egípcias eram construídas de maneira a que a inclinação de uma face sobre a base (medida de $O\hat{M}V$ fosse constante, aproximadamente $52^\circ$.
Egípcios e babilônios (cerca de 1500 a.C.) e posteriormente os gregos usavam relógios de sol em que era utilizada a mesma ideia. Tais relógios consistiam basicamente de uma haste $\overline{BC}$, chamada pelos gregos de gnomon, espetadas verticalmente no chão. As observações da amplitude da sombra $\overline{AB}$ projetada pela haste propiciava a determinação de parâmetros, como a duração do ano.
A trigonometria como auxiliar da astronomia, em que certas funções angulares são usadas para determinar posições e trajetórias de corpos celestes, surge no século II a.C. O pai dessa abordagem foi o grego Hiparco de Niceia (século II a.C.), o mais importante astrônomo da Antiguidade, que, em razão disso, costumava ser chamado de "o pai da trigonometria". Ao que consta, Hiparco passou alguns anos de sua vida estudando em Alexandria, mas acabou se fixando e Rodes (Grécia), onde desenvolveu a maio parte de seu trabalho.
- Leia o artigo: O surgimento de grau na circunferência
Contam-se entre as principais contribuições de Hiparco à astronomia: a elaboração de um amplo catálogo de estrelas (o primeiro do mundo ocidental); a medida da duração do ano com grande exatidão: 365,2467 dias contra 365,242199 dias segundo avaliações modernas; cálculo do ângulo de inclinação da eclíptica (a órbita descrita pela Terra em torno do Sol em um ano) com o plano do equador terrestre. A trigonometria de Hiparco surge como uma tabela de cordas em doze livros, obra que se perdeu com o tempo, onde teria sido usado pela primeira vez o círculo de $360^\circ$.
Felizmente, porém, a obra de Hiparco foi preservada e ampliada de maneira brilhante por Claudio Ptolomeu (século II d.C.). Sobre a vida de Ptolomeu praticamente o que se sabe é que fez observações astronômicas em Alexandria entre 127 e 151 d.C. Sua obra-prima é o Almagesto, um compêndio de astronomia em treze livros, do qual ainda há cópias atualmente. A teoria astronômica apresentada por Ptolomeu nessa obra coloca a Terra no centro do Universo, em torno do qual giram o Sol, a Lua e os cinco planetas então conhecidos, segundo uma concepção que foi bastante utilizada para descrever o comportamento do sistema solar por quatorze séculos.
[Ptolomeu, orientado pela musa da Astronomia Urania, utiliza um quadrante. Abaixo, à esquerda, é mostrada uma esfera armilar. (Margarita philosophica, xilogravura de Gregor Reisch, 1508.)]
No livro primeiro do Almagesto, como pré-requisito, há uma tabela de cordas (talvez devida a Hiparco) dos ângulos de ) a 180 graus, de meio em meio grau, considerando o diâmetro de um círculo formado de 120 unidades. Os resultados são apresentados na base 60.
No caso do ângulo reto, por exemplo, como:
$$\overline{AB} \approx 84+\frac{51}{60}+\frac{10}{3600}
$$
então:
$$\overline{AB} = 84p51^{\prime}10^{\prime \prime}
$$
ou seja, 84 partes, 51 sexagésimos e 10 sexagésimos de sexagésimo.
Essas cordas são a origem da ideia atual de seno.
$$\overline{AB}^2 = (60\text{ p})^2 + (60 \text{ p}^2)\\
\ \\
\overline{AB} = \sqrt{7200}
$$
Em base sexagesimal pode ser escrita como:
$$\overline{AB} \approx 84 + \frac{51}{60} + \frac{10}{3600}
$$
Texto de Hygino H. Domingues
Referências:
- Fundamentos de Matemática Elementar V3 - Trigonometria
A histoyda matemática é realmente fascinante! E muitos pensam que ela "caiu do céu" ou que tudo foi criado rapidamente e é bem óbvio. A história prova que foram necessários milênios para chegarmos a conceitos considerados triviais hoje.
ResponderExcluirOlá Ítalo, como vai?
ExcluirConcordo plenamente com você. No prefácio de um livro de História da Matemática de Boyer, tem um texto do Isaac Asimov (tem aqui no blog), que fala sobre a evolução da matemática pela história. Que, na verdade, existem correções e extensões para o aperfeiçoamento de determinados temas.
Eu defendo que a história das ciências deveria se ensinada desde os primeiros anos escolares para as crianças crescerem com uma visão mais crítica e entenderem melhor a realidade que os cercam.
Um abraço!