A ascensão de certos símbolos e eventualmente seu declínio constituem uma história interessante. Muitos destes símbolos tornaram-se obsoletos rapidamente e outros foram sendo melhorados e chegaram até nosso tempo, fazendo parte da linguagem matemática atual.
Se um estudante do tempo de Diofanto se deparasse com um equação em escrita moderna, como por exemplo $2x^2-7x+1=0$, certamente não entenderia por completo. Esta linguagem simbólica é de invenção relativamente recente.
► Leia o artigo sobre A regra de sinais, segundo Diofanto
Não há um consenso sobre a época em que Diofanto viveu, mas acredita-se que tenha vivido no século II d.C. Segundo o Wikipedia, teria nascido entre os anos de 201 e 214 e falecido entre 284 e 298.
Sabe-se, todavia, que era um matemático grego que trabalhou na Universidade de Alexandria, Egito, como residente, tendo iniciado o uso de um simbolismo algébrico que acabou por suplantar a escrita da álgebra em um estilo verbal chamado de álgebra retórica.
Para ilustrar a álgebra retórica, vamos utilizar um exemplo posterior à Diofanto, do matemático árabe al-Khwarizmi, onde, de seu livro Al-jabr, deu origem à álgebra europeia, influenciando-a grandemente. Curiosamente, al-Khwarizmi utilizava palavras para representar números, introduzindo em seu livro Liber algorismi, os numerais indo-arábicos na Europa.
Por exemplo, o problema escrito em notação moderna $x^2+21=10x$, foi enunciado e resolvido assim por al-Khowarizmi:
Qual deve ser o valor de um quadrado que, quando vinte e um são somados a ele, torna-se igual ao equivalente a dez raízes daquele quadrado?
Solução: divida ao meio o número de raízes, encontrando cinco. Multiplique este número por si mesmo, obtendo o produto de vinte e cinco. Subtraia deste o vinte e um que está ligado ao quadrado, obtendo o resto de quatro. Extraia sua raiz, obtendo dois. Subtraia isto da metade das raízes, que é cinco, obtendo três. Esta é a raiz do quadrado que você procura e o quadrado é nove. Some a raiz à metade das raízes, que é sete. Esta é a raiz do quadrado que você procura e o quadrado mesmo é quarenta e nove.
Obviamente esta é a solução em nossa linguagem matemática atual equivale a:
$$ x=\frac{10}{2} \pm \sqrt{\left(\frac{10}{2}\right)^2-21}\\
\ \\
x=5 \pm \sqrt{4} \\
\ \\
x= 3\text{ ou } 7
$$
Se a álgebra de al-Khwarizmi parece prosaica, é preciso dizer que as ideias muitas vezes precedem a notação. O simbolismo é invento à medida em que há a necessidade.
A álgebra sincopada, ou seja, o uso de palavras abreviadas, foi introduzida por Diofanto e, algum tempo depois, na Índia, Brahmagupta inventou seu próprio sistema de abreviações. Infelizmente, outros escritores muitas vezes procuraram ignorar os progressos da notação, ou simplesmente não tinham o conhecimento de tudo o que era desenvolvido em termos de evolução da escrita matemática.
O original da obra de Diofanto, a Arithmetica, em treze volumes, perdeu-se com o tempo. Mas, sabe-se que a cópia mais antiga que se conhece de qualquer das partes do trabalho foi feita mais de um milênio depois de ser escrita.
Um exemplo de um dos mais antigos manuscritos, seguido de uma interpretação na forma moderna e uma explanação do grego:
isto é:
$$x^32 \quad x8 \quad - \quad x^25 \quad 1 \cdot 4 \quad = \quad 44
$$
ou:
$$2x^3+8x-(5x^2+4)=44
$$
onde:
$K^\Upsilon$ | é uma abreviação de $K\Upsilon B O \Sigma$ (KUBUS, "cubo") |
---|---|
é uma combinação de $\Lambda$ e $I$ em $\Lambda E I \Psi \Sigma I \Sigma$, (LEIPSIS, "menos");$\Delta ^{\Upsilon}$ é uma abreviação de (DUNAMIS, "potência") | |
$\varsigma$ | é uma abreviação de $\alpha \rho \iota \theta \mu o \varsigma$ (arithmos, "número") |
$\mathring{M}$ | é uma abreviação de $MONA\Delta E \Sigma$ (MONADES, "unidades") |
$\varepsilon \sigma \tau \iota$ | representa a igualdade |
As primeiras nove letras do alfabeto grego representam os nove algarismos: $\alpha=1$, $\beta=2$, $\gamma = 3$, $\delta = 4$, $\varepsilon = 5$, $\varsigma = 6$, $\zeta = 7$, $o = 8$, $\pi = 9$.
O exemplo acima utiliza algumas letras maiúsculas e algumas minúsculas. Manuscritos posteriores usam somente letras minúsculas.
O exemplo abaixo ilustra o estilo sincopado de Brahmagupta e como a escrevemos em notação moderna:
\begin{matrix}ya\ ka\ 7\ bha\ k(a)\ 12\ ru\ \dot{8} & \quad & 7xy + \sqrt{12} - 8 \\
ya \ v(a)\ 3\ ya\ 10 & \quad & =3x^2 + 10x
\end{matrix}
A igualdade é expressa escrevendo-se o primeiro membro da equação sobre o segundo membro. A forma abreviada:
- $ya$ representa yavattavat, a primeira incógnita;
- $ka$ representa kalaka ("negro"), a segunda incógnita;
- $bha$ representa bhavita ("produto");
- $k(a)$ representa karana ("irracional" ou "raiz");
- O ponto colocado sobre um número, no caso sobre o 8, indica número negativo;
- $ru$ representa rupa (número "puro" ou "comum");
- $v(a)$ representa varga ("número ao quadrado").
Os exemplos a seguir mostram algumas indicações sobre caminhos percorridos pela notação algébrica para chegar ao estágio retórico simbólico. Primeiramente seguem explicações para decifrar algumas abreviações:
- Um número puro muitas vezes é seguido de um $N$, numere ou $\phi$ (assim como escrevemos $7x^0$ para $7$);
- São muitas as abreviações para $x$, entre elas Pri. para primo (primeiro), nº para numero (número, incógnita), $\rho$ para res (coisa, incógnita) e $N$ para numerus (número, incógnita);
- O quadrado (de $x$) é escrito de várias maneiras, entre elas Se. para secundo (segundo);
- A adição e a subtração são muitas vezes indicadas por $\overline{p}$ para piu (mais) e $\overline{m}$ para meno (menos).
1514: Vander Hoecke
$$4\ \text{Se.} - 51\ \text{Pri.} - 30N\ \text{dit is ghelijk}\ 45 \\
\ \\
4x^2 - 51x - 30 = 45
$$
1521: Ghaligai
$$1\ \square \ \text{e}\ 32C^\circ - 320\ \text{numeri.}\\
\ \\
x^2 + 32x = 320
$$
1525: Rudolff
$$x^2 = 12x - 36
$$
1545: Cardano
$$\text{cubus}\ \overline{p}\ 6\ \text{rebus aequalis}\ 20\\
\ \\
x^3 + 6x = 20
$$
1553: Stifel
$$
2xA+2x^2=4335
$$
1557: Recorde
$$
14x + 15 = 71
$$
1559: Buteo
$$\text{I}\ \Diamond\ \text{P}\ 6\rho \ \text{P}\ [ \ \ \ \text{I} \ \ \Diamond \ \text{P} \ 3\rho \ \text{P}\ 24\\
\ \\
x^2 + 6x + 9 = x^2 + 3x + 24
$$
1572: Bombelli
$$
x^6 + 8x^3 = 20
$$
1585: Stevin
$$3x^2+4=2x+4
$$
1591: Viète
$$\text{I QC} - 15\text{QQ} + 85\text{C} - 225\text{Q} + 274\text{N} \text{ aequatur }120 \\
\ \\
-15x^4 + 85x^3 - 225x^2 + 2474x = 120
$$
1631: Harriot
$$x^3-3b^2x = 2c^3
$$
1637: Descartes
$$yy \propto cy - \cfrac{cx}{b}y+ay-ac
$$
1693: Wallis
$$x^4+bx^3+cxx+dx+e=0
$$
Estes exemplos são apenas alguns de muitos outros personagens da história que tentaram expressar ideias matemáticas de forma simbólica. E estamos falando apenas de equações. Quando se trata de simbologia geral, a história é muito mais rica, mas intensa. Se desejarem saber mais, sugiro a leitura do livro de Florian Cajori, citado logo abaixo nas referências. É uma maravilha!
Referências:
- Tópicos de História da Matemática para uso em sala de aula - John K. Baumgart
- A History of Mathematical Notations - Florian Cajori
Belo post meu amigo!
ResponderExcluirEu lembro dessa aula na faculdade, e não foi em História da Matemática hahaha Foi com o professor de Álgebra Abstrata 1, que aliás foi um cara que me ajudou muito naquela época. Hoje é falecido.
Abraço!
Você deu sorte. Eu mal tive em história da matemática. Mas sempre digo que a faculdade foi apenas uma porta que me levou a outro mundo. Um abraço!
ExcluirExcelente artigo... Ao contrário do Edigley, não tive História da Matemática na graduação... Si tô falta disso... Abração
ResponderExcluirObrigado, Luís Cláudio! A história da matemática foi que me fez apaixonar pela matemática. Procuro, sempre que posso, publicar artigos relacionados. Obrigado pelo comentário!
ExcluirUm abraço!
E, dessa forma que a matemática se transforma em poesia.
ResponderExcluirEm uma linguagem universal. Lindo de se ver.
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