23/02/2019

A evolução da notação para derivadas

Desde quando iniciamos nossos estudos nos primeiros anos de escola, aprendemos a resolver certos problemas, como somar e subtrair, multiplicar e dividir. Mais adiante aprendemos exponenciação e radiciação. Já na graduação, especificamente de Matemática ou Engenharia, aprendemos sobre somatórios, produtórios, derivadas, integrais e equações diferenciais. Para o bom entendimento desta e de outras operações, precisamos de um bom sistema de notação matemática.

Quando Isaac Newton inventou seu Cálculo através do método das fluxões ele utilizava uma notação de ponto sobre uma letra para representar a fluxão (derivada) que se pretendia encontrar, que chamou de notação de letra pontuada. Para encontrar uma derivada, por exemplo de $y=x^2$, deve-se obter uma uma relação entre $x$ e $y$ em relação ao tempo. Newton pensava como uma quantidade variável fluindo uniformemente com tempo. A derivada, em sua notação de ponto, ficaria como $\dot{y}=2x\dot{x}$. A derivada, ou a taxa de variação de $y$ em relação a $x$ é a proporção entre as duas fluxões, e, por fim, a derivada de ficaria representada como $\displaystyle \frac{\dot{y}}{\dot{x}}=2x$.

Esta notação de Newton não era muito eficiente, mas mesmo assim permaneceu em uso na Inglaterra por mais de um século, devido ao prestígio que os matemáticos ingleses tinham em relação a Newton. Ainda hoje em dia pode ser encontrada em livros de Física para denotar a diferenciação em relação ao tempo.

A evolução da notação para derivadas

No entanto, na Europa continental, a notação adotada foi a de Leibniz, que se mostrou muito mais eficiente e a difusão se deu principalmente por conta dos irmãos Bernoullis. Leibniz pensava em $dx$ e $dy$ como incrementos muito pequenos nas variáveis $x$ e $y$ e a proporção entre elas ofereceu uma medida da taxa de variação de $y$ em relação a $x$. Atualmente, utilizamos a letra grega delta maiúscula $(\Delta)$ para denotar as diferencias de Leibniz. A proporção $\displaystyle \frac{dy}{dx}$ é escrito como $\displaystyle \frac{\Delta y}{\Delta x}$, enquanto $\displaystyle \frac{dy}{dx}$ simboliza o limite $\displaystyle \frac{\Delta y}{\Delta x}$ quando $\Delta x$ e $\Delta y$ se aproxima de zero.

A notação de Leibniz $\displaystyle \frac{dy}{dx}$ apresenta muitas vantagens operacionais, pois a sugestão de utilizá-la como uma fração ordinária é grande e em muitos casos, se comporta como tal. Por exemplo, se $y=f(x)$ e $x=g(t)$, então $y$ é uma função indireta de $t$ $(y=h(t))$. Para calcularmos a derivada dessa função composta devemos utilizar a regra da cadeia:
$$
\frac{dy}{dt} = \frac{dy}{dx} \ \frac{dx}{dt}
$$
Embora cada derivada seja um limite de uma proporção, ela se comporta como se fosse uma proporção real entre duas quantidades finitas.

Se tivermos uma função $y=f(x)$ ela terá um inverso $x=f^{-1}(y)$, com uma derivada recíproca da derivada original:
$$
\frac{dx}{dy} = \frac{1}{\displaystyle \frac{dy}{dx}}
$$
Podemos ver que a notação de Leibniz de certa forma se comporta como frações ordinárias.

Existe uma outra notação para derivada que merece destaque por possuir a vantagem de ser concisa e foi proposta por Lagrange em seu tratado Théorie des fonctions analytiques. Lagrange utilizou um apóstrofo para indicar a derivada. Por exemplo, se $y=f(x)$, então sua derivada será representada por $f'(x)$ ou simplesmente por $y'$. Assim, se $y=x^2$, então sua derivada será $y'=2x$.

No mesmos tratado, Lagrange propôs a notação $fx$ para função de $x$, que é o precursor do símbolo que utilizamos hoje para denotar funções $(f(x))$. Lagrange chamou $f'x$ de função derivada de $fx$. E para a segunda derivada de $y$, escreveu $y''$ ou $f''x$.

Se $u$ for uma função com duas variáveis independentes, por exemplo $u=f(x,y)$, quando formos derivá-la, devemos especificar em relação a qual das variáveis estamos diferenciando. Neste caso, usamos a letra $\partial$ no lugar de $d$ para obtermos as duas derivadas parciais de $u$:
$$
\frac{\partial u}{\partial x} \qquad \text{e} \qquad \frac{\partial u}{\partial y}
$$
Nesta notação, todas as variáveis serão tomadas como constantes, exceto aquelas indicadas. Por exemplo: se $u = 3x^2y^3$, então as derivadas parciais serão:
$$
\frac{\partial u}{\partial x}=3(2x)y^3 =6xy^3\\
\ \\
\text{e}\\
\ \\
\frac{\partial u}{\partial y} = 3x^2(3y^2)=9x^2y^2
$$
No primeiro caso, $y$ foi tomado como uma constante e, portanto, a derivada foi realizada em relação a $x$; No segundo caso, $x$ foi tomado como constante sendo realizada a derivada em relação a $y$.

A notação $\displaystyle \frac{\partial u}{\partial x}$ foi usada pela primeira vez por Legendre em 1786 em sua obra Memoire sur la manière de distinguer les maxima des minima dans le Calcul des Variations

Em 1841, Jacobi reintroduziu a notação em seu artigo De determinatibus Functionalibus. O símbolo $\partial$ em alguns casos é chamado de delta de Jacobi.

Operadores diferenciais:

Cada operador está associado a um procedimento específico, de modo que devemos saber como este procedimento deve ser executado. Por exemplo, para indicar a soma entre duas quantidades $x$ e $y$, utilizamos o operador de adição, cujo símbolo é $+$, lemos: "mais", e representamos assim: $x+y$ e quer dizer que devemos somar uma quantidade à outra.

Outros operadores são muito utilizados em nosso cotidiano, como o operador para subtração $-$ (menos), para multiplicação $\times$ (vezes), para raiz $\sqrt{\  \ }$ (raiz quadrada de), e muitos outros.

No entanto, um operador somente adquire um significado se for aplicado a uma quantidade sobre a qual ele pode operar. Por exemplo $\sqrt{\ 25}=\pm 5$. Isso quer dizer que, a raiz quadrada de $25$ é igual a $5$ ou a $-5$, pois $5^2 = 25$ assim como $(-5)^2=25$.

No Cálculo não é diferente. Para indicarmos uma diferenciação usamos usamos o símbolo operador de Leibniz $d/dx$, indicando que o que vier à direita do operador deverá ser diferenciado, mas o que estiver à esquerda, não. Por exemplo:
$$
x^2 \frac{d}{dx} x^2 = x^2\cdot 2x = 2x^3
$$
Se desejarmos encontrar a segunda derivada, utilizamos:
$$
\frac{d}{dx}\left(\frac{d}{dx}\right) = \frac{d^2}{dx^2}
$$
Em 1800, o símbolo $D$ foi usado como operador diferencial pelo francês Louis François Antoine Arbogast, muito embora Johann Bernoulli já o tivesse usado de modo não operacional, mas foi o engenheiro eletricista inglês Oliver Heaviside que elevou o uso do símbolo $D$ como operador diferencial à condição de uma verdadeira arte, manipulando habilmente o símbolo $D$ e tratando-o como uma quantidade algébrica. Heaviside resolveu numerosos problemas aplicados de modo elegante e eficaz, envolvendo equações diferenciais que surgiam na teoria elétrica.

Da mesma forma que o operador leibniziano, o símbolo $D$ age sobre qualquer função que estiver imediatamente à direita. Por exemplo:
$$
x^2 D x^2 = x^2 \cdot 2x = 2x^3
$$
E para uma segunda diferenciação, utilizamos $D^2$:
$$
D^2x^5 = D\left(Dx^5\right) = D(5x^4)=5\cdot4x^3=20x^3
$$
Assim, podemos denotar $D^{\ n}$, com $n$ inteiro positivo, como $n$ diferenciações sucessivas. Algo bem interessante ocorre se $n$ for negativo: obtemos uma antidiferenciação, ou seja, uma integral indefinida. Por exemplo:
$$
D^{-1}x^2 = \int x^2dx = \frac{x^3}{3}+C
$$
Vamos analisar uma função específica. Sabemos que a função $y=e^x$ é igual à sua própria derivada. Aplicando o operador $D$, obtemos $Dy=y$, que é uma equação diferencial cuja solução geral é $y=Ce^x$. É tentado tratar $Dy=y$ como uma equação algébrica ordinária, dividindo ambos os lados por $y$ obtendo $D=1$ o que em si não tem significado alguma, mas ganharia seu significado se multiplicarmos ambos os lados por $y$.

Esse tipo de manipulação torna o operador $D$ útil para resolver certos tipos de equações diferenciais. Por exemplo, a equação diferencial:
$$y'' + 5y' - 6y = 0
$$
pode ser escrita como:
$$
D^2y+5Dy-6y=0
$$
Se tomarmos que os símbolos utilizados nesta equação como quantidades algébricas ordinárias, podemos utilizar de suas propriedades colocar $y$ em evidência:
$$
(D^2+5D-6)y=0
$$
Analisando esta nova equação, temos que o produto de dois fatores é igual a $0$. Ou $y=0$, que é a solução trivial e que nada nos interessa, ou $D^2+5D-6=0$, que é muito mais interessante. Neste caso,  podemos ainda fatorar o membro esquerdo como:
$$
(D-1)(D+6)=0
$$
Novamente temos um produto de dois fatores que é igual a $0$. As soluções para esta equação é:
$$
D = 1 \qquad \text{e} \qquad D=-6
$$
Estas soluções são meramente declarações operacionais, temos que que multiplicá-las por $y$ para obtermos um sentido:
$$
Dy=y \qquad \text{e} \qquad Dy=-6y
$$
A primeira equação tem solução geral como $y=C_1e^x$ e a segunda equação tem como solução geral $y=C_2e^{-6x}$, onde $C_1$ e $C_2$ são constantes arbitrárias. Como a equação original é linear e seu lado direito é igual a $0$, a soma dessas soluções também é uma solução, ou seja $y=C_1e^x+C_2e^{-6x}$, e que de fato é a solução geral para a equação $y''+5y'-6y=0$.

Heaviside não tinha uma educação formal em Matemática e a manipulação de $D$, até certo ponto descuidada, foi censurada por matemáticos profissionais. Mas Heaviside justificou seus métodos dizendo que o fim justifica os meios, pois o método que utilizava produzia resultados corretos e uma justificação rigorosa não era de grande importância para ele, mas que foi encontrada num método mais avançado conhecido hoje como transformada de Lapalce.

Referências:

  • e, a história de um número - Eli Maor
  • A rainha das Ciências - Gilberto Geraldo Garbi

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO: Título: A evolução da notação para derivadas. Publicado por Kleber Kilhian em 23/02/2019. URL: . Leia os Termos de uso.


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