17/08/2024

Uma breve história da Alquimia à Química

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Conteúdo:

1. Introdução

2. Os Primórdios da Química

3. A Era dos Metais

4. As Primeiras Doutrinas

5. A Química no Início da Era Cristã

6. A Alquimia

7. A Iatroquímica

8. Os Precursores da Química Moderna

9. A Teoria do Flogisto

10. A Química Moderna


Introdução:

Embora sua origem remonte a mais de cinte séculos antes do advento da Era Cristã, a Química constituiu-se numa das mais jovens ciências naturais. Apesar de muitos dos conhecimentos que lhe deram nascença datarem de mais de 4 mil anos, somente no século XVII começou a Química a ganhar características de ciência, para consagrar-se definitivamente como tal na passagem do século XVIII para o XIX.

Uma resenha cronológica de sua evolução mostra que os conhecimentos da Química, acumulados até cerca de 200 anos, eram de duas ordens. De um lado incluíam um complexo desordenado de receitas, provindas do milenar Egito e enriquecidas com outras originárias dos hindus, chineses e árabes. Essas receitas ou fórmulas, transmitidas de geração em geração, permitiam a extração de metais a partir de seus minerais, bem como o fabrico de vidro, porcelana, corantes, bebidas alcoólicas, cosméticos e um sem-número de outros produtos. De outro lado, tais conhecimentos abrangiam um conjunto de doutrinas (herdadas dos antigos gregos), que não passavam de especulações metafísicas sobre a constituição da matéria. Excluídas algumas tentativas isoladas, feitas no passado mais adiante, de integração desses conhecimentos, um divórcio completo reinava entre os que se dedicavam a essas especulações e os que valiam daquelas receitas para a obtenção de algum produto útil. Os pensadores discutiam a natureza e a origem das coisas e ignoravam as operações executadas pelos artesãos para obtê-las. Estes procuravam, do melhor modo que podiam, a partir das matérias-primas naturais, preparar um sem-número de produtos de aplicação prática, mas desconheciam por completo as doutrinas formuladas pelos primeiros.

No período compreendido entre os últimos anos do século XVIII e os primeiros do XIX, a Química experimentou profunda transformação. Do conjunto desorganizado de conhecimentos empíricos e de especulações filosóficas de que, do mesmo modo que a Física, se fundamenta na observação, tem suas leis, suas hipóteses, suas teorias. Em suma, transformou-se num conjunto organizado e sistematizado de conhecimentos estruturado segundo a metodologia científica.

Os Primórdios da Química:

Perscrutando  o mais longínquo passado, tanto pelo exame de restos de objetos e utensílios deixados por antigas civilizações, é possível concluir que pelo menos 5 mil anos antes de Cristo na China e, mais recentemente, nas civilizações primitivas da Assíria e Babilônia, já se produziam diversos objetos de cerâmica, como também eram conhecidos e praticados rudimentares processos de extração de alguns metais.

Há mais de 4 mil anos a fabricação de seda e seu tingimento já eram do conhecimento dos povos do Extremo Oriente e, há mais de 30 séculos, esses mesmos povos utilizavam a pólvora, fabricavam porcelana e alguns vernizes, além de dominarem o curtimento de peles.

Os egípcios seguiram os chineses na prática de artes e no exercício de ofícios que hoje se vinculam à Química. Vinte séculos antes de Cristo já sabiam tingir tecidos, conheciam a utilização de tintas e vernizes, a fabricação de vidro, a produção de cosméticos, bem como a preparação de produtos farmacêuticos, particularmente venenos e substâncias necessárias ao embalsamento de cadáveres.
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[Imagem: https://motoursegypt.com/the-intricate-process-of-mummification-in-ancient-egypt/]

Os egípcios daquela época conheciam, entre outros produtos, a soda, a potassa, o alúmen, o nitrato de potássio e davam-lhe diferentes aplicações. Segundo alguns historiadores, a própria palavra Química derivaria do vocábulo Quemeia ou Chemeia, ou ainda Chemia, com o qual os egípcios designavam o seu país, por causa da cor escura de suas terras.

Das práticas de então, pela sua importância, merecem destaque as que permitam a obtenção de vários metais e ligas. Com o desenvolvimento da utilização dos materiais metálicos, confunde-se, nos primórdios, a própria história da Química.

A Era dos Metais:

O homem primitivo não conhecia os metais. Seus utensílios eram feitos de madeira, pedra, chifre, osso. O primeiro metal de cuja existência o homem tomou conhecimento parece ter sido o ouro. Encontrado em estado nativo nas areias de alguns rios, provavelmente deve ter chamado a atenção por sua cor e brilho. Adornos feitos de ouro foram encontrados juntamente com instrumentos de pedra que datam do denominado período neolítico (idade da pedra polida, mais de 5 mil anos antes de Cristo).
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[Imagem: https://minervamagazine.com/the-rise-of-rulers.html]

O segundo metal a ser conhecido deve ter sido o cobre. Objetos fundidos de cobre (que remontam a cerca de 3400 anos antes de Cristo), encontrados nas ruínas do velho Egito e da Mesopotâmia (atual Iraque), sugerem que os homens daquela época já sabiam extrair esse metal de alguns de seus minérios. Presume-se que o teriam casualmente obtido por redução da malaquita (extraída das minas do Sinai), mediante fogo produzido pela queima de carvão vegetal.
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[Imagem: https://www.penn.museum/sites/expedition/a-spectacular-discovery/]

Provavelmente, o emprego do bronze (liga de cobre e estanho) é posterior ao do cobre, embora objetos de bronze encontrados em certos lugares sejam da mesma época que outros de cobre: 34 séculos antes de Cristo. Na época das primeiras dinastias do Egito e na Grécia do tempo de Homero (séculos VIII a IX a.C.), o bronze desempenhou papel semelhante ao do ferro em nossos dias.
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[Imagem: https://www.reddit.com/r/Cowofgold_Essays/comments/r2rmsy/the_shrew_in_ancient_egypt/]

A origem do estanho utilizado na obtenção do bronze tem sido investigada e é altamente improvável que algumas de suas minas atualmente conhecidas já o tivesses sido naquela época. Segundo alguns, o estanho então usado proviria de uma região da Pérsia (atual Irã), de minas há muito tempo esgotadas.

Após a idade do bronze, seguiu-se a do ferro, que, segundo historiadores, remonta a 1200 anos antes de Cristo.


Embora os povos europeus e mediterrâneos só tivessem passado a conhecer e a utilizar o ferro após conhecer e utilizar o cobre, existe alguma evidência de que no Egito e na Índia o ferro teria sido usado antes do cobre. Por volta de 2000 anos antes de Cristo o ferro já era bastante utilizado no Egito e, segundo parece, vinha do país dos hititas, nas proximidades do Mar Negro.

As Primeiras Doutrinas:

Se, pelo visto, no antigo Egito e nas regiões circunvizinhas, a História encontra exemplos da prática de artes e ofícios ligados ao campo da Química, é na velha Grécia que ela localiza os primeiros pensadores interessados em assuntos tais como a estrutura da matéria. Esses pensadores, pretendendo explicar a origem e a natureza das coisas, julgavam possível encontrar em um só elemento, ou substância, a origem do Universo.

Foi Tales de Mileto (624 - 546 a.C.) que, pela primeira vez, expressou a convicção de que deveria existir no Universo um grande princípio da unidade, vinculando entre si todos os fenômenos e tornando-os racionalmente inteligíveis. E mais: "Por trás de toda diversidade aparente das coisas que nos cercam existe um elemento primordial que entra na composição de todas as coisas". A busca desse elemento primordial deveria ser o objeto do próprio conhecimento.

Para Tales, esse elemento primordial seria a água. Para Anaxímenes de Mileto (588 - 524 a.C.) deveria ser o ar e para Heráclito de Éfeso (540 - 470 a.C.) tudo resultaria do fogo.

Na mesma época em que se buscava estabelecer a natureza do elemento único gerador do Universo, começaram a surgir, com Leucipo e Demócrito, também as primeiras ideias a respeito da estrutura discreta da matéria e, portanto, da existência de átomos.

Levado pelo desejo de explicar de que são feitas as coisas, Empédocles (495 - 430 a.C.), ponderando os princípios dos que o precederam, postulou como origem de tudo que o cercava um conjunto de quatro elementos: terra, ar, água e fogo. É que tudo parecia originar-se desses quatro elementos fundamentais e a eles, também, reverter.
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Em essência, a teoria dos quatro elementos sustentava que da terra, do ar, da água e do fogo derivam as variedades de matéria existentes na Terra e no Universo. Um "prova" manifesta de que os quatro elementos são estes ter-se-ia no fato de que, ao queimar-se uma acha de lenha, observa-se:
  1. Surge o fogo;
  2. A água ferve, borbulhando e chiando na extremidade da acha;
  3. A fumaça eleva-se no ar e nele se dissipa, provando assim ser da mesma natureza do ar;
  4. Surge como resíduo uma cinza terrosa.

A teoria dos quatro elementos, aceita pelos gregos, egípcios, hebreus, indianos e chineses, persistiu por mais de vinte séculos (quatro antes e dezesseis depois de Cristo), amparada pelo prestígio de Aristóteles (384 - 322 a.C.), seu grande divulgador.

Aristóteles de Stagira, célebre pensador que antecedeu a Cristo em mais de três séculos, desenvolveu a suposição de que todas as variedades de matéria estão formadas por uma única matéria primitiva chamada hylé e que a ela podem ser conferidas diferentes formas ou eidos. Essa hylé constituiria quatro elementos distintos cujas propriedades essenciais seriam o quente, o frio, o úmido e o seco. Os quatro elementos: fogo, ar, água e terra, funcionariam como suportes dessas propriedades.

A água seria o elemento que, presente na matéria, lhe conferiria as propriedades de fria e úmida; o fogo seria o componente responsável pela matéria ser quente e seca; a presença de ar na matéria faria com que ela fosse quente e úmida, enquanto a da terra torná-la-ia seca e fria.

Se à assertiva corresponde uma verdade ou não, pouco importa. O erro, a qualquer momento, será notado e excluído, na faina bonita da busca pela verdade. O importante é que na imaginação esteja sempre cogitando a perseguir novas concepções, a procurar novos horizontes, a buscar o novo.

De fato, em suas especulações sobre o Universo e sobre o homem, Aristóteles, usando largamente sua imaginosa inteligência, juntou aos quatro elementos de Empédocles mais um: a "quinta essência", de natureza etérea e semiespiritual. Esses elementos e mais duas cósmicas (o amor e o ódio) seriam as raízes de tudo.

A Química no Início da Era Cristã:

Com a decadência da antiga Grécia e a ascensão do império romano, ocorreu uma estagnação, ou até mesmo uma involução, no conhecimento humano. Os romanos, célebres por sua dedicação às guerras de conquista e seu amor ao Direito, pouco ou nada fizeram pelo desenvolvimento das ciências naturais.

Os primeiros passos dados pelos gregos, de seis a cinco séculos antes de Cristo, rumo ao conhecimento da estrutura e do comportamento das diversas espécies de matéria, ficaram por muito tempo sem seguidores. A História registra como de maior expressão os nome de Epicuro e Lucrécio, que viveram respectivamente por volta de 300 e 50 anos a.C., como continuadores e defensores das doutrinas atomistas, e cita também Arquimedes (280 a.C.), um dos precursores do emprego do método experimental para o desenvolvimento do conhecimento científico.

Entre o início e até o ano 50 da Era Cristã, surgiram em Alexandria, então grande centro cultural do Egito e do mundo ocidental, os primeiros tratados da divina arte. Escritos em grego, esses tratados versam sobre os primitivos conhecimentos de Química e contêm inúmeras expressões técnicas que não figuram nos dicionários gregos. É indubitável que seus autores recorriam a nomes e expressões estranhas. com o objetivo de ocultar (do leigo) o que se escrevia.

Em 296 a palavra química aparece em um édito do imperador Diocleciano, ordenando a queima em Alexandria dos livros que tratavam de  Chemeia ou Chemia.

Por volta dos anos 300, ainda no Egito, Zósimo de Panópolis descreveu um grande número de operações "químicas", tais como a dissolução, cristalização, filtração, fusão, sublimação, destilação, entre outras, além de várias substâncias, reações químicas e aparelhos utilizados na sua obtenção. Na mesma época surge a crença quanto à possibilidade de transmutar os metais, fundamentada nos efeitos produzidos sobre a cor dos metais pelo mercúrio, enxofre e arsênio. O cobre, por exemplo, poderia ser convertido em um metal parecido com a prata, por tratamento com arsênio. O agente que deveria ensejar a transmutação dos metais foi chamado mais tarde pelos árabes por elixir (ou aliksir) e pelos alquimistas europeus como pedra filosofal.

A Alquimia:

No século VII, com a invasão do Egito pelos árabes, surge entre estes uma espécie de ciência. Com base nos conhecimentos empíricos herdados dos velhos egípcios e nas especulações filosóficas que, importadas da Grécia antiga por Alexandria, tinham recebido aí algumas tinturas de misticismo oriental, nasce a Alquimia. Da aposição do prefixo "al", tipicamente árabe, ao nome original Chemia formou-se provavelmente o dessa pseudociência.

Aos quatro princípios ou propriedades essenciais da matéria, de Aristóteles, e aos outros tantos elementos, a Alquimia reúne mais dois: a combustibilidade e a metalicidade que teriam como suporte, respectivamente, o enxofre e o mercúrio.

De acordo com as ideias dos alquimistas, qualquer espécie de matéria poderia ser obtida a partir desses elementos básicos, combinando-os em diferentes proporções. Em particular, a partir do enxofre e do mercúrio poder-se-ia obter qualquer material. O mercúrio entraria com as propriedades metálicas e o enxofre conferiria ao metal a sua colaboração e outras propriedades especiais.

Em que pesem as inúmeras tentativas de sintetizar diferentes metais a partir do mercúrio e do enxofre, os alquimistas jamais o conseguiram. Diante desse insucesso, voltaram-se para outra tarefa, A Grande Obra, ou seja, a transformação dos metais ordinários em nobres, por contato com a pedra filosofal, Quanto a esta, sua obtenção deveria ser possível a partir dos mesmos elementos... e mais um pouco de sal!

A Alquimia foi introduzida na Europa em princípios do século XII pelas traduções feitas na Espanha de obras árabes sobre a divina arte. A ela se dedicaram muitos intelectuais que, honestamente, buscavam a pedra filosofal (elemento de toque que deveria ensejar não só a transmutação dos metais como também a cura de doenças e o prolongamento indefinido da vida) e também numerosos charlatões que fingiam ter conseguido a transmutação de metais vis em ouro e procuraram prová-lo por de um sem-número de mistificações.

Alguns dos grandes escolásticos do século XIII dedicaram-se à Alquimia e deixaram vários escritos a respeito: Santo Alberto Magno, famoso pensador alemão, professor e sacerdote, São Tomás de Aquino, dominicano e filósofo italiano, e Roger Bacon, filosofo formado em Oxford, pertencente à Ordem Franciscana. Para Bacon, a Alquimia deveria ser contemplada de dois pontos de vista:
  1. Especulativo, quando tratava da formação das coisas a partir dos elementos;]
  2. Operativo, quando ensinava como obter coisas artificialmente, inclusive o ouro, melhores que os naturais.

É claro que os alquimistas malograram na realização da grande obra. Entretanto, no correr da busca da pedra filosofal e do elixir da longa vida, descobriram muitas substâncias, particularmente vários sais, e desenvolveram os métodos básicos de sua obtenção e purificação. Essas descobertas, realizadas em sombrios laboratórios entulhados com inúmeros utensílios e vasos com as mais variadas e estranhas formas, registradas como notação cabalísticas, que visavam a cercá-las de absoluto sigilo, e das quais muitas por isso mesmo se perderam, constituem a principal contribuição da Alquimia para o desenvolvimento posterior da Química.
alguns simbolos alquimicos

Com o objetivo de manter secretas suas observações e anotações, criaram uma simbologia para designar os materiais ou recursos dos quais se valiam em seus trabalhos, simbologia essa cujo conhecimento era acessível apenas aos iniciados da divina arte. Alguns desses símbolos que, juntamente com outros, constituíram a origem da simbologia moderna da Química estão indicados na figura acima.

A Iatroquímica

Uma profunda reforma nos objetivos da Alquimia teve lugar na primeira metade do século XVI, coincidentemente com o advento da imprensa. Seu promotor, Paracelso (1493-1541), médico e cirurgião, criou a Iatroquímica, isto é, a Química a serviço da Medicina. Escreveu Paracelso:

"O objetivo da Química não reside na obtenção de ouro e prata, mas no preparo de medicamentos e na explicação dos processos que têm lugar nos organismos vivos".

Partindo do princípio de que todos os seres são constituídos por três elementos (tria prima) em diferentes proporções, sal (corpo), mercúrio (alma) e enxofre (espírito), acreditava que as moléstias provinham da falta de um desses elementos no organismo. Consequentemente, qualquer doença poderia ser curada por introdução no organismo do elemento faltante. Por curioso que possa parecer, Paracelso obteve sucesso com os métodos de tratamento por ele preconizados, mediante o uso de compostos inorgânicos, a ponto de fazer com que muitos médicos abandonassem o uso de extratos orgânicos na terapêutica e se interessassem pela Iatroquímica. Esse fato, sem dúvida, contribuiu para o desenvolvimento da Química, uma vez que ensejou a aplicação prática de seus produtos.

A obra de Paracelso é cheia de ideias místicas. Acreditava na astrologia e associava as diferentes partes do corpo humano aos astros. Por exemplo, o coração ao Sol, o cérebro à Lua, o fígado a Júpiter, etc. Admitia que a digestão se produz pela intervenção de um ser espiritual que existiria no estômago...

Embora nem sempre concordando com Paracelso, dedicaram-se também à Iatroquímica: Agrícola, Sylvius, Glauber, Libavius e outros.

Os Precursores da Química Moderna:

Foi o nascente espírito científico, surgido no século XVII, que veio pôr termo ao longo reinado da Alquimia, com o aparecimento dos primeiros químicos. Estes, dos quais Van Helmont (1577-1644), Boyle (1627-1691) e Hooke (1635-1703) são alguns exemplos, rompendo com a tradição filosófica até então enraizada, passaram eles mesmos a experimentar, isto é, a observar diretamente certos fenômenos e a reproduzi-los em condições que permitiam sua melhor observação.

Com os trabalhos experimentais desenvolvidos a partir de então, foi sendo, aos poucos, reformulado o modo de pensar em relação aos componentes da matéria. Em particular, ao introduzir em 1660 o conceito experimental de elemento, Robert Boyle alterou profundamente a atitude mental dos pesquisadores quanto à fenomenologia química. Boyle mostrou que o ar não é um elemento, mas sim uma mistura de gases.

Algo semelhante ao feito de Boyle em relação ao ar foi conseguido, bem mais tarde, por Henry Cavendish (1731-1810) em relação à água, ao mostrar que esta, longe de ser um elemento, é na verdade uma substância composta de hidrogênio e oxigênio.

No que diz respeito à terra aconteceu algo parecido. De há muito sabia-se que dela é possível extrair metais como a prata, ouro, cobre, ferro, estanho, entre outros, sugerindo que, dada sua complexidade, ela não poderia constituir um elemento.

Quanto ao fogo, travou-se longa e acirrada polêmica para explicar sua origem. Sua compreensão e explicação só foram possíveis no século XVIII quando Lavoisier (1743-1794) mostrou que o fogo em si não é uma variedade de matéria. A combustão envolve uma ação recíproca de material combustível e oxigênio, isto é, uma reação química entre combustível e oxigênio.

Abandonada a ideia da existência de quatro elementos, relegada ao passado também ficou a crença mitológica e cabalística de que cada um desses elementos tinha seu espírito ou gênio guardião: silfos, que residiam no ar, ondinas, na água, gnomos subterrâneos e salamandras que eram habitantes do fogo...

A Teoria do Flogisto:

Os trabalhos de Boyle no século XVII, e particularmente o se método de pesquisa, tiveram grande influência sobre o posterior desenvolvimento da Química como ciência. Assim mesmo foi preciso que ainda um século se escoasse para que a Química se libertasse inteiramente da influência aristotélica sobre a constituição da matéria e passasse a adotar o método científico. Esse período (século XVIII) é marcado pelo advento e, curiosamente, pela consagração da chamada a teoria do flogisto, criada pelo alemão Georg Ernst Stahl, por volta de 1700. 

A teoria de Stahal surgiu da necessidade, enfrentada pelos químicos da época, de explicar os fenômenos de combustão, oxidação e redução dos metais, fenômenos esses intimamente ligados à técnica metalúrgica, que vinha então de um grande progresso experimentado no século XVII.

Segundo Stahl, todas as substâncias combustíveis e os metais, em particular, conteriam um princípio inflamável ou matéria ígnea denominada flogisto. Ao se queimar uma substância combustível, ou ao ser calcinado um metal, o flogisto se desprenderia, deixando um resíduo terroso: a cal. A combustão seria então um processo de decomposição de uma substância em flogisto e no correspondente resíduo terroso. Assim, na calcinação do ferro, ter-se-ia:
$$
\text{ferro} \rightarrow \text{flogisto} + \text{cal ferrosa}
$$
Uma substância que, como o carvão ou enxofre, deixa um resíduo terroso insignificante, seria extremamente rica em flogisto. Nessa linha de raciocínio, reciprocamente, o flogisto também poderia ser adicionado a uma substância incombustível (uma cal), aquecendo-a em presença de carvão, que é muito rico em flogisto. Pr exemplo:
$$
\text{cal ferrosa} + \text{flogisto (carvão)} \rightarrow \text{ferro}
$$
O aumento de massa experimentado por um metal após a sua combustão, e que poderia ser apontado como contraditório com a perda de flogisto, não constituiu obstáculo à aceitação da teoria de Stahl. Seus partidário admitiam que o flogisto seria extremamente leve e, ao contrário dos outros corpos, não seria atraído pela Terra, mas, sim, repelido por ela! Em consequência, quanto maior fosse o teor de flogisto num corpo, mais leve seria, e um corpo ao perder flogisto resultaria mais pesado!

Por estranho que possa parecer, p fato de o ar ser indispensável ao processo da combustão era justificado com a suposição de que durante a combustão não se realiza apenas um desprendimento de flogisto, mas também uma combinação sua com o ar. Não existindo ar, a combustão deve cessar por inexistência de algo que possa combinar-se com o flogisto.

A teoria do flogisto vigorou durante muito tempo, uma vez que permitia explicar razoavelmente muitos fatos conhecidos na época, e só foi abandonada quando se percebeu sua artificialidade e nela se reconheceu um obstáculo sério ao progresso da Química. Foram os trabalhos de Lavoisier, na segunda metade do século XVIII, que levaram à atual interpretação da combustão (reação com oxigênio) e determinaram o abandono da teoria de Stahl.

A Química Moderna:

Entre fins do século XVIII e início do século XIX, a Química passou por uma profunda transformação: de conjunto de receitas empíricas, de um lado, e de um punhado de doutrinas sem fundamento experimental, de outro lado, ganhou as características de uma Ciência natural, cujos conhecimentos se estruturam segundo o método científico.

Entenda-se "Ciência" como um termo empregado para designar um conjunto organizado e sistematizado de conhecimentos, adquiridos pela utilização de método científico, que envolve, como sucessivas etapas, a coleta de dados, isto é, a observação, a generalização dos fatos observados, a formulação de hipóteses que os explicam, a verificação da concordância entre os resultados que derivam da teoria e da prática, bem como a previsão da ocorrência de fatos até então desconhecidos.

Vários fatos se conjugaram para conferir a Química, em definitivo, as feições de uma ciência moderna. Um dele encontra-se nos já mencionados trabalhos de Lavoisier sobre a combustão. Os resultados dessas pesquisas, além de levarem ao definitivo esquecimento da teoria dos quatro elementos, conduziram, também, ao abandono da teoria do flogisto. Outro fato foi a descoberta das leis estequiométricas, cuja formulação veio mostrar que as reações químicas obedecem a determinadas relações quantitativas definidas pela Química. É o caso da lei da conservação das massas, de Lavoisier, enunciada em 1774; da lei das proporções definidas, formulada em 1797 por Proust; da lei das proporções recíprocas de Ritcher (1792); das leis das proporções múltiplas de Dalton (1803) e das leis volumétricas de Gay-Lussac (1809).

A Química, com a Física, a Geologia e a Astronomia, integra o grupo de ciências físicas, que, juntamente com as ciências biológicas, constituem as chamadas ciências naturais.

Do ponto de vista doutrinário, uma importante contribuição para o desenvolvimento da Química como ciência natural foi o estabelecimento entre 1803 e 1808 da teoria atômica de Dalton, teoria essa que, longe de constituir mera especulação mental sobre a constituição da matéria, permitiu uma explicação racional de fatos observados na experiência. Ao admitir que os átomos de um mesmo elemento têm a mesma massa, Dalton ensejou a justificação das leis estequiométricas estabelecidas alguns anos atrás.

A teoria atômica trouxe consigo um problema que por muito tempo desafiou os químicos da primeira metade do século XIX: a determinação das massas relativas dos átomos, isto é, das massas. A solução desse e de outros problemas como, por exemplo, a compatibilização entre a teoria de Dalton e as leis estequiométricas de Gay-Lussac, exigiu a introdução do conceito de molécula e a formulação por Avogadro (1811) de sua célebre hipótese que, por sua vez, conduziu ao desenvolvimento da Teoria Atômico-Molecular Clássica.

Ao longo do século XIX o progresso da Química foi vertiginoso. No seu início desenvolveu-se com características peculiares a Química Orgânica. Esta, à época em que surgiu nos fins do século XVII, tinha por objeto o estudo das substâncias organizadas, isto é, das espécies químicas existentes e sintetizadas nos organismos vivos. Supunha-se então que tais substâncias, cujo constituinte essencial é o carbono, não poderiam ser obtidas artificialmente. Entretanto, a parit de 1828 iniciou-se a preparação em laboratório de muitas dessas substâncias orgânicas e de numerosas outras inexistentes na natureza.

Na segunda metade do século XIX (1869) apareceu a tabela periódica de Mendeleev, que permitiu o estudo sistemático das propriedades dos elementos químicos e levou aos primeiros indícios da estrutura complexa dos átomos. Quase no final do mesmo século nasceu a Físico-Química, destinada a servir de ponte entre a Física e a Química, e descobriu-se a radioatividade, cujo conhecimento veio alterar profundamente muitas das ideias então vigentes sobre a estrutura da matéria e, ao mesmo tempo, contribuir para o desenvolvimento da atomística moderna.

Ocidentalizou-se o nome de Mendeleiev a partir da grafia russa, por isso aparecem na literatura inúmeras formas de se escrever o seu nome. A que tem reconhecimento geral e que parece ter mais lógica, sendo a tradução mais correta para o inglês, é Mendeleyev. A forma Mendeleev é a que ele assinava em inglês; mas existem ainda Mendeléev, Mendeleiév, Mendeleieff, entre outras.
tabela-periodiva-mendeleev
[Tabela proposta por Mendeleev em 1869]

Atualmente, a Química constitui uma ciência extremamente vasta que se ocupa das propriedades, constituição e transformação das numerosas espécies de matéria, naturais e artificiais, existentes no Universo. No início da década de 1970 o número dessas espécies conhecidas já superava um milhão! Longe de ser uma ciência estanque, a Química relaciona-se bastante com a Física, a Biologia, a Geologia e até mesmo com a Astronomia, quando esta última investiga a estrutura e a composição dos corpos celestes.

A enorme amplitude do seu objeto determinou a subdivisão da Química em diversos ramos, cada qual dedicado a um campo especializado. Entre esses ramos destacam-se:

a) Química Geral, que trata dos princípios fundamentais relativo à constituição e às propriedades das diversas espécies de matéria;

b) Química Inorgânica, que estuda as propriedades dos elementos e das substâncias compostas pertencentes ao reino mineral, portanto de todas as substâncias conhecidas, com exclusão da quase totalidade dos compostos de carbono;

c) Química Orgânica, que estuda, com exclusão de alguns poucos, os compostos de carbono;

d) Química Analítica, cuja finalidade é estudar os métodos de identificação e determinação dos componentes das várias espécies de matéria - misturas e substâncias puras;

e) Físico-Química, que constitui uma Química Geral Superior e estuda as correlações entre as propriedades das diferentes substâncias e suas estruturas. Ela se ocupa, particularmente, das propriedades mensuráveis, do desenvolvimento e racionalização dos métodos e instrumentos de medição, além das teorias que permitem prever os valores de propriedades que podem ser confirmados por verificações experimentais;

f) Bioquímica, que trata dos processos químicos que se desenrolam nos seres vivos. Ela inclui desde o estudo dos compostos presentes em determinados sistema biológicos até os mais avançados mecanismo de transformação desses compostos em outros.

Constituem também campos específicos da Química, entre outros, a Eletroquímica, a Termoquímica e a Radioquímica.

Para dar uma ideia das várias áreas que se desenvolve atualmente a Química, é interessante registrar que a American Chemical Society classifica seus membros, em função de suas atividades, em cerca de 30 divisões profissionais, entre as quais se incluem as de Química dos Alimentos, Química Agrícola, Química Biológica, Química da Celulose, Madeira e Fibras, Mercadologia e Economia Química, Química Coloidal e das Superfícies, Química dos Fertilizantes e do Solo, Química dos Combustíveis, Química Industrial, Engenharia Química, Química Médica, Química Nuclear, Química dos Plásticos, Química dos Pesticidas, Química do Petróleo, Química da Borracha, Química da Água, do Ar e do Solo e muitas outras.


Referências:

  • Química Geral - I. M. Rozenberg

Veja mais:

COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO: Título: Uma breve história da Alquimia à Química. Publicado por Kleber Kilhian em 17/08/2024. URL: . Leia os Termos de uso.


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