26/12/2022

Euler e a incorporação da trigonometria à análise

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Dentre as contribuições da Índia à matemática, merece lugar de relevo a introdução da ideia de seno. O responsável por essa inovação foi o matemático Aryabhata (476-?), ao substituir as cordas gregas por semicordas — para as quais calculou tábuas de $0^\circ$ a $90^\circ$, em intervalos de $3^\circ45'$ cada um.

Os árabes, posteriormente, não se limitaram a apenas divulgar a obra de gregos e hindus: também deram contribuições significativas próprias à matemática, em particular à trigonometria. Neste campo, em que adotaram a noção de seno dos hindus, introduziram os conceitos de tangente, cotangente, secante e cossecante, mas também como medidas de segmentos convenientes em relação a unidades pré-escolhidas. E o primeiro texto sistemático de trigonometria, desvinculado da astronomia, é de um autor árabe: Nasir Eddin (1201-1274).

No Renascimento talvez o ponto alto da trigonometria seja o início de sua abordagem analítica, em que pontificou Viète. Mesmo com sua notação pouco funcional, Viète estabeleceu relações trigonométricas importantes, como as fórmulas para $\text{sen}(n\theta)$ e $\cos (n\theta)$ em função de $\text{sen}(\theta)$ e $\cos(\theta)$.

Um grande avanço no sentido de levar a trigonometria para os domínios da análise foi dado por Newton, no século XVII, ao expressar as funções circulares na forma de séries inteiras, por exemplo:
$$
\text{sen}(x) = x - \frac{x^3}{3!}+\frac{x^5}{5!}-\frac{x^7}{7!}+\cdots
$$
Porém, não seria exagero nenhum afirmar que o verdadeiro fundador da trigonometria moderna foi Leonhard Euler (1707-1783), o maior matemático do século XVIII.

Euler era filho de um pastor luterano de uma localidade da Suíça próxima da cidade de Basileia. Pela vontade do pai seguiria também o sacerdócio; mas, na Universidade da Basileia, para onde fora com essa finalidade, conheceu Jean Bernoulli e seus filhos Nicolau e Daniel, o que acabou pesando fortemente em sua opção pela matemática. Pouco depois de formado foi convidado a integrar a Academia de São Petersburgo, na Rússia, onde já estavam Nicolau e Daniel (que o haviam recomendado). Depois de alguns vaivéns, em 1730 ingressou naquela instituição como físico. E, três anos depois, com a volta de Daniel à Suíça, foi-lhe confiado o posto máximo de matemática da Academia. Nessa posição ficou até 1741 quando aceitou se transferir para a Academia de Berlim, a convite de Frederico, o Grande. Depois de 25 anos na Alemanha retorna enfim a São Petersburgo, onde terminaria seus dias.

Euler, com seus cerca de 700 trabalhos, entre livros e artigos, é sem dúvida o mais prolífico e versátil matemático de todos os tempos. Os originais que deixou com a Academia de São Petersburgo ao morrer eram tantos que sua publicação só foi concluída 47 anos depois. E diga-se que Euler perdeu a visão em 1766, o que o obrigou, a partir de então, a ditar suas ideias a algum filho ou a secretários.

Euler foi também um grande criador de notações. Dentre os símbolos mais importantes devidos a ele estão:
  • $e$ para base do sistema para logaritmos naturais (talvez extraído da inicial da palavra “exponencial”);
  • $i$ para a unidade imaginária $(i=\sqrt{-1})$;
  • $\pi$ para a razão entre a circunferência e seu diâmetro (na verdade, neste caso, foi apenas o divulgador dessa notação, posto já ter sido ela usada anteriormente);
  • $l(x)$ para o logaritmo de $x$;
  • $\sum$ para somatórios;
  • $f(x)$ para uma função de $x$.
Quanto à trigonometria, seu papel renovador surge já nos conceitos básicos. O seno, por exemplo, não é mais um segmento de reta a ser expresso em relação a alguma unidade, mas a abscissa de um ponto do círculo unitário de centro na origem e, portanto, é um número puro. Caracteriza-se dessa forma (vale o mesmo para as demais linhas trigonométricas) a ideia de relação funcional entre arcos e números reais.

Euler dedicou duas memórias à trigonometria esférica, nas quais partiu do fato de que, sobre a superfície de uma esfera, as geodésicas (arcos de menor comprimento ligando dois pontos) são arcos de círculos máximos. Assim, um triângulo esférico é determinado por três círculos máximos, como na figura.
triangulo-esferico-euler-e-a-incorporacao-da-trigonometria-a-analise
Entre outros resultados obteve, por máximos e mínimos, a lei dos senos da trigonometria esférica:
$$
\frac{\text{sen}(\hat{A})}{\text{sen}(a)} = \frac{\text{sen}(\hat{B})}{\text{sen}(b)} = \frac{\text{sen}(\hat{C})}{\text{sen}(c)}
$$
O ângulo $\hat{A}$ do triângulo esférico $ABC$ é o ângulo formado pelas tangentes $\overrightarrow{AM}$ e $\overrightarrow{AN}$ aos arcos $\widehat{AB}$ e $\widehat{AC}$, em $A$, respectivamente. Analogamente se definem os ângulos $B$ e $C$.

Em um triângulo eférico, a soma dos ângulos internos é sempre maior do que $180°$ e menor do que $540°$:
$$
180° < \hat{A} + \hat{B} + \hat{C} < 540°
$$
A famosa identidade de Euler, une a trigonometria à função exponencial:
$$
e^{i\ x} = \cos{x} + i\ \text{sen}(x)
$$
Fazendo $x = \pi$, obtém-se:
$$
e^{i\ \pi} + 1 = 0
$$
Para julgar um gênio, só outro gênio. E Laplace dizia a seus alunos: "Leiam, leia Euler, ele é o nosso mestre em tudo".

Referências:

  • Fundamentos de Matemática Elementar V3 Trigonometria - Gelson Iezzi

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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO: Título: Euler e a incorporação da trigonometria à análise. Publicado por Kleber Kilhian em 26/12/2022. URL: . Leia os Termos de uso.


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