O uso de letras em matemática, para designar grandezas conhecidas ou incógnitas, remonta ao tempo de Euclides (séc. III a.C.) ou antes. Assim mesmo a álgebra, perto do final do século XVI, resumia-se basicamente a um receituário para resolver equações com uma incógnita ou sistemas de duas equações a duas incógnitas, com coeficientes numéricos, derivados de problemas comerciais ou geométricos. E a trigonometria até então era essencialmente geométrica.
Embora nessa época já fosse prática velha um geômetra representar indistintamente todos os triângulos por $ABC$, por exemplo, e daí deduzir propriedades genéricas, um algebrista considerava as equações de segundo grau, por exemplo, uma a uma, embora soubesse que para todas valia o mesmo método de resolução. Além disso, como os números negativos não eram bem aceitos, uma equação como $x^2-5x+6=0$ (usando a notação atual) era tratada sob a forma $x^2+6=5x$.
Quem deu o passo que pela primeira vez permitiu a abordagem generalizada do estudo das equações algébricas foi o francês François Viète (1540-1603), considerado o mais eminente matemático do século XVI. Viète não era um matemático profissional. Formado em Direito, exerceu esta profissão na mocidade, tornando-se mais tarde membro do conselho do rei, primeiro sob Henrique III, depois sob Henrique IV.
Seu hobby, o estudo da matemática, pôde ser especialmente cultivado num período aproximado de 5 anos, antes da ascensão de Henrique IV, quando esteve em desfavor junto à corte. Viète financiava, ele próprio, a edição de seus trabalhos, o que põe em relevo sua devoção à matemática. Dentre seus feitos de engenhosidade conta-se o de “quebrar” o sistema criptográfico usado pela Espanha (então em guerra com a França), através de mensagens interceptadas. Decifrar um código que envolvia cerca de 600 caracteres, periodicamente mudados, foi considerado pelos espanhóis obra de magia.
A convenção de Viète para tirar o estudo das equações do terreno dos casos particulares consistia em indicar por vogais maiúsculas as quantidades incógnitas e por consoantes maiúsculas as quantidades supostamente conhecidas. Foi assim que pela primeira vez na história da matemática se fez a distinção formal entre variável e parâmetro.
À época de Viète a matemática carecia de uma simbologia universal. Na álgebra, por exemplo, coexistiam lado a lado procedimentos retóricos (sem símbolos) com notações parciais e particulares. Se reunisse as notações já surgidas, e que acabaram vingando, com a sua, as equações do segundo grau teriam para Viète a forma:
$$
BA^2 + CA + D = 0
$$
BA^2 + CA + D = 0
$$
em que $B$, $C$ e $D$ são parâmetros e $A$, a incógnita.
Mas os progressos não vêm todos juntos e Viète, embora já usando o sinal $+$, escrevia A quadratum e posteriormente $Aq$ para o quadrado de $A$ e $aequal$ em vez de $=$. Além disso, posto que rejeitasse os números negativos, seus coeficientes representavam apenas quantidades positivas. Não foi senão a partir de 1657, graças a John Hudde (1628-1704), que os coeficientes de uma equação passaram a representar indistintamente números positivos e negativos.
Viète também contribuiu bastante para a trigonometria. Defensor da representação decimal (contra a sexagesimal, ainda muito em uso), calculou o seno de um grau com 13 algarismos e com base nesse valor preparou extensas tábuas para as seis funções trigonométricas. Mas o mais importante é que se alguém merece a honra de ser considerado o pai da abordagem analítica da trigonometria, sem dúvida esse alguém é Viète. Em particular foi ele o primeiro a aplicar transformações algébricas à trigonometria.
A notação de Viète não demorou a ser superada pela de Descartes (1596-1650), em que $a$, $b$, $c$, ... indicam parâmetros, $x$, $y$, $z$, ..., variáveis e $x^n$, a potência enésima de $x$. Mas suas ideias renovadoras, essas são indeléveis.
Texto de:
Hygino H. Domingues
Referências:
- Fundamentos de Matemática Elementar V3 - Trigonometria - Gelson Iezzi
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