Johannes Kepler (1571 - 1630) foi um dos homens mais estranhos da história das ciências, e sua vida foi repleta de infortúnios, mas também de grandes conquistas para a Astronomia e para a Matemática.
Em 1610 publicou em sua obra Astronomia Nova as três Leis que levam seu nome e que mudariam o rumo da Astronomia.
A primeira Lei diz que os planetas descrevem órbitas elípticas, sendo o Sol um dos focos, sepultando definitivamente a teoria geocêntrica de Ptolomeu.
A segunda Lei define que o raio vetor que liga o planeta ao Sol varre áreas iguais em tempos iguais. Isto sugere que os planetas se deslocam com velocidades diferentes em suas órbitas de acordo com a proximidade do Sol.
A terceira Lei determina que os quadrados dos períodos de translação dos planetas são proporcionais aos cubos dos semi-eixos maiores de suas órbitas.

Enquanto Kepler formulava sua segunda Lei, viu-se com a necessidade de encontrar a área de um segmento elíptico e de uma forma geral, de qualquer seção cônica.
Voltando um pouco no tempo, Arquimedes utilizava o método da exaustão de forma sublime para encontrar a área de um segmento parabólico, mas não o conseguiu aplicar no caso da elipse e da hipérbole. Os gregos em geral utilizavam processos finitos, como o que Arquimedes utilizava no método da exaustão, rejeitando explicitamente o uso do infinito. Mas Kepler e outros matemáticos de sua época não excluíram o infinito de seus processos e passaram a incluir o infinito de um modo casual, resultando em um método sem muito do rigor grego, mas que parecia funcionar bem, o que foi chamado de método dos indivisíveis. O método remetia a uma forma plana composta por faixas infinitamente estreitas, que era chamada de indivisíveis.
Pode-se demonstrar por exemplo que a área de um círculo é composta por uma soma de um número infinito de triângulos estreitos, cujos vértices encontram-se no centro do círculo e suas bases confundem-se com a circunferência. Como a área de um triângulo é a metade de um retângulo, temos que a área desses triângulos são dados por:
$$A = \frac{C\ r}{2}
$$
onde $C$ é o comprimento da base e $r$ é a altura, que também é o raio da circunferência.
Kepler pensava no indivisível como uma quantidade infinitamente pequena, próxima de zero, e que, de certa forma, somando qualquer quantidade de indivisíveis, ainda assim o resultado seria próximo de zero. Aqui podemos perceber o conceito de infinito e do zero como formas indeterminadas.
No entanto, o método exigia uma dose de engenhosidade geométrica e escolher uma boa forma de representar os indivisíveis. Kepler conseguiu obter resultados satisfatórios e aplicou em problemas de encontrar o volume de barris de vinho e de diversos sólidos de revolução estendendo o método para três dimensões e considerando um sólido como uma coleção de fatias infinitamente finas, somando seus volumes individuais. Com essa ideia, Kepler tropeçou no moderno Cálculo Integral.
Para calcular a área sob uma parábola utilizando o método dos indivisíveis, cuja equação é $y=x^2$, de $x=0$ a $x=a$, podemos pensar em uma região formada por um grande número $n$ de segmentos verticais (indivisíveis), cujas alturas $y$ variam conforme a equação $y=x^2$. Se a largura desses segmentos valem $d$, então as abscissas para cada segmento são dadas por $d$, $2d$, $3d$, $\cdots$, $nd$. Quando aplicamos na equação da parábola, obtemos alturas iguais a $d^2$, $(2d)^2$, $(3d)^2$, $\cdots$, $(nd)^2$. E a área procurada será aproximada por:
$$A = \left[ d^2 + (2d)^2 + (3d)^2 + \cdots + (nd)^2 \right] \cdot d\\
\ \\
A = \left[ 1^2 + 2^2 + 3^2 + \cdots + n^2 \right] \cdot d^3
$$

Usando a conhecida fórmula para o somatório dos $n$ primeiros inteiros positivos:
$$\sum _{k=1}^{n} k^2 = \frac{n(n+1)(2n+1)}{6}
$$
e depois fazendo uma manipulação algébrica colocando $n$ em evidência em cada parênteses e aplicando na fórmula da área:
$$A = \frac{\left(\displaystyle 1+\frac{1}{n}\right) \left(\displaystyle 2+\frac{1}{n}\right)\Big(nd\Big)^3}{6}
$$
Como o comprimento do intervalo de $x=0$ a $x=a$ vale $a$, então $nd = a$. Então:
$$A = \frac{\left(\displaystyle 1+\frac{1}{n}\right) \left(\displaystyle 2+\frac{1}{n}\right)\ a^3}{6}
$$
E se fizermos com que o número de indivisíveis cresça indefinidamente, teremos um limite onde $n$ tende ao infinito, levando a expressão da área a um valor fixo:
$$A = \lim_{n \rightarrow \infty}\frac{\left(\displaystyle 1+\frac{1}{n}\right) \left(\displaystyle 2+\frac{1}{n}\right)\ a^3}{6} = \frac{a^3}{3}
$$
Este é o valor que encontramos quando aplicamos o método de integração para o cálculo de áreas:
$$A = \int _0^a x^2\ dx = \frac{a^3}{3}
$$
E também é o mesmo valor encontrado por Arquimedes utilizando o método da exaustão, chegando ao valor que a área sob a parábola $0aP$ é igual a $4/3$ da área do triângulo $0PQ$.
O método dos indivisíveis não era muito claro sobre o que seria exatamente um "indivisível" e dependia muito da habilidade em encontrar uma fórmula para o somatório. Funcionou para a parábola, mas não para a hipérbole, pois não existe uma fórmula para o somatório dos inversos dos inteiros.
Antes de Newton e Leibniz terem apresentado ao mundo suas descobertas, alguns outros matemáticos esbarraram na invenção do Cálculo, como pro exemplo Roberval, Pascal, Stevin, Fermat, Torricelli e Barrow, o que mostrava que a necessidade de um algoritmo formal para o Cálculo era imprescindível e se tornava cada vez mais urgente.
Links para este artigo:
- http://bit.ly/Kepler-Calculo
- https://www.obaricentrodamente.com/2019/01/como-kepler-quase-descobriu-o-calculo.html
Referências
- e, a história de um número - Eli Maor
- As leis de Kepler, Wikipédia
muito bem escrito!
ResponderExcluirObrigado, meu amigo.
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