21/09/2024

Não há um "Teorema de Pitágoras", mas sim Triplas Pitagóricas

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O enunciado mais famoso associado ao nome de Pitágoras é o teorema que estabelece uma relação entre as medidas dos lados de um triângulo retângulo:

O quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos.

Hoje se sabe que essa relação era conhecida por diversos povos mais antigos do que os gregos e pode ter sido um saber comum na época de Pitágoras. No entanto, não é nosso objetivo mostrar que os pitagóricos não foram os primeiros na história a estabelecer tal relação. O objetivo é investigar de que modo esse resultado podia intervir na matemática praticada pelos pitagóricos, com as características anteriormente descritas.

A demonstração desse teorema, encontrada nos Elementos de Euclides, faz uso de resultados que eram desconhecidos na época da escola pitagórica. Não se conhece nenhuma prova do teorema geométrico que tenha sido fornecida por um pitagórico e parece pouco provável que ela exista. O professor e historiador de mitologias e mitos gregos, Walter Burkert afirma que o teorema “de Pitágoras” era um resultado mais aritmético que geométrico.

Quando falamos de aritmética nos referimos ao estudo de padrões numéricos que estavam no cerne da matemática pitagórica e que dizem respeito aos números figurados. Não deve ter havido um teorema geométrico sobre o triângulo retângulo demonstrado pelos pitagóricos, e sim um estudo das chamadas triplas pitagóricas ou ternos pitagóricos.

O problema das triplas pitagóricas é fornecer triplas constando de dois números quadrados e um terceiro número quadrado que seja a soma dos dois primeiros. Essas triplas são constituídas por números inteiros que podem ser associados às medidas dos lados de um triângulo retângulo. Alguns historiadores da matemática defendem que na Tábua de Plimpton 322 há um indício de que os babilônios já estudavam as triplas pitagóricas, o que mostraria que a relação atribuída a Pitágoras seria conhecida na Babilônia pelo menos mil anos antes dele.

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Provavelmente, os pitagóricos chegaram a essas triplas por meio do gnômon (instrumento astronômico antigo que, provavelmente, foi o primeiro a indicar a hora do dia, por volta de 3500 a.C.), que era sinônimo de números ímpares, formados pelas diferenças entre números quadrados sucessivos.

Os gnômons, que podem ser vistos como esquadros, forneciam uma técnica para a realização de cálculos. Observando a figura acima, podemos calcular a sequência dos quadrados com o deslocamento do esquadro, procedimento equivalente a somar a sequência dos números ímpares. Por exemplo, para obter o 4 a partir do 1, adicionamos o gnômon de três pontos; para obter o 9 a partir do 4, adicionamos o próximo gnômon, que é o próximo número ímpar, 5. Seguindo esse procedimento, chega-se a uma figura na qual o gnômon também é um número quadrado, constituído por nove pontinhos. Obtém-se, assim, a igualdade 16 + 9 = 25, que dá origem à primeira tripla pitagórica: (3, 4, 5).

Esses seriam os procedimentos aritméticos usados para se obter as triplas pitagóricas. Ou seja, a fórmula de Pitágoras pertenceria ao contexto dos números figurados. Na tradição, poucas triplas são mencionadas e (3, 4, 5) tem um papel especial, pois 3 é o macho; 4, a fêmea; e 5, o casamento que os une no triângulo pitagórico.

Segundo Proclo (ou Proclus), havia dois métodos para se obter triplas pitagóricas: um de Pitágoras, outro de Platão.

O método de Pitágoras começa pelos números ímpares. Associando um dado número ao menor dos lados do triângulo que formam o ângulo reto, tomamos o seu quadrado, subtraímos a unidade e dividimos por 2, obtendo o outro lado, que forma o ângulo reto. Para obter o lado oposto, somamos a unidade novamente ao resultado. Seja 3, por exemplo, o menor dos lados. Toma-se o seu quadrado (9) e subtrai-se a unidade, obtendo 8, e calcula-se a metade de 8, que é 4. Adicionando a unidade novamente, obtemos 5, e o triângulo retângulo que procuramos é o de lados 3, 4 e 5.

O método platônico começa por um número par, considerado um dos lados que formam o ângulo reto. Primeiro dividimos esse número por 2 e fazemos o quadrado de sua metade. Subtraindo 1 desse quadrado, obtemos o outro lado que forma o ângulo reto e, adicionando 1, o lado restante. Por exemplo, seja 4 o lado. Dividimos por 2 e tomamos o quadrado da metade, obtendo 4. Subtraímos 1 e adicionamos 1, obtendo os lados restantes: 3 e 5.

Método para encontrar triplas

Em linguagem atual, se $a$ é um número ímpar, podemos traduzir o método de Pitágoras na obtenção dos números $\displaystyle \frac{a^2-1}{2}$ e $\displaystyle \frac{a^2+1}{2}$, que satisfazem a relação:
$$
a^2 + \left(\frac{a^2-1}{2}\right)^2 = \left(\frac{a^2+1}{2}\right)^2
$$

Cateto menor
$a$
Cateto maior
$\displaystyle \frac{a^2-1}{2}$
Hipotenusa
$\displaystyle \frac{a^2+1}{2}$
3 4 5
5 12 13
7 24 25
9 40 41
11 60 61
13 84 85
15 112 113

o método de Platão se refere à obtenção dos números $2a$, $a^2-1$ e $a^2+1$, que satisfazem a relação:
$$
\left( 2a \right)^2 + \left( a^2-1 \right)^2 = \left( a^2+1 \right)^2
$$
Cateto maior
$2a$
Cateto menor
$a^2-1$
Hipotenusa
$a^2+1$
4 3 5
6 8 10
8 15 17
10 24 26
12 35 37
14 48 50
16 63 65

Chegamos à estranha conclusão de que o famoso teorema “de Pitágoras” era, para a escola pitagórica, um resultado aritmético e não geométrico, cujo significado ia além do estritamente matemático. O método usado para encontrar triplas pitagóricas não é suficiente para assegurar a validade geométrica do teorema “de Pitágoras” em todos os casos. Tal método permite gerar algumas triplas, como (3, 4, 5), mas não todas as triplas de números que podem medir os lados de um triângulo retângulo, sobretudo porque essas medidas não são necessariamente dadas por números naturais.

Ao que parece, os pitagóricos estavam interessados na relação “aritmética” expressa pelas triplas em um sentido particular. Logo, pelo contexto em que esse resultado intervém, não é possível dizer que o conhecimento aritmético das triplas pitagóricas seja o exato correlato do teorema geométrico atribuído a Pitágoras, daí as aspas empregadas aqui ao falarmos do "teorema de Pitágoras”. Não se sabe, contudo, se no meio grego da época de Pitágoras eram conhecidas outras provas a partir de uma teoria das razões e proporções simples. Os triângulos retângulos podiam ser usados para somar áreas e o resultado expresso pelo teorema “de Pitágoras” podia ser útil por possibilitar encontrar um quadrado cuja área fosse a soma das áreas de dois quadrados.

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Referências:

  • História da Matemática: Uma visão crítica, desfazendo mitos e lendas - Tatiana Roque

Veja mais:

COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO: Título: Não há um "Teorema de Pitágoras", mas sim Triplas Pitagóricas. Publicado por Kleber Kilhian em 21/09/2024. URL: . Leia os Termos de uso.


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