27/12/2023

O Teorema de Pitágoras: Uma jornada através da história

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O Teorema de Pitágoras é uma das descobertas matemáticas mais fundamentais e influentes na história da humanidade. Sua origem remonta à antiga Mesopotâmia (mais de mil anos antes de Pitágoras nascer), onde os babilônios possuíam um conhecimento prático que antecedeu a formulação formal pelos pitagóricos na Grécia Antiga.

Pitágoras de Samos (aprox. 570 a.C. - 496 a,C.) foi um filósofo e matemático grego jônico creditado como fundador do movimento chamado Pitagorismo. Na sua maioria, as informações sobre Pitágoras foram escritas séculos depois da sua morte, de modo que há pouca informação confiável sobre ele.

Origens e utilização pelos babilônios

As origens do Teorema de Pitágoras têm raízes profundas na prática matemática dos babilônios na Mesopotâmia, onde os registros arqueológicos revelam uma compreensão empírica dessas relações geométricas. Embora os babilônios não tenham formulado o teorema de maneira abstrata, eles o aplicavam de maneira prática em situações do cotidiano.

Os babilônios utilizavam tábuas de argila para registrar informações matemáticas, e talvez a mais notável das tábuas babilônias já analisadas seja aquela conhecida como Plimpton 322. O nome faz referência a G. A. Plimpton da Universidade de Columbia, catalogada pelo número de 322.
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[Plimpton-322: Tábua em argila com escrita cuneiforme com registro de matemática babilônica]

Esta tábua foi escrita no período babilônio antigo, aproximadamente entre 1900 a 1600 a.C.. Contém três colunas praticamente completas de caracteres, sendo os valores dos catetos e hipotenusa de triângulos retângulos.

Esses ternos pitagóricos eram frequentemente associadas a medidas de áreas e comprimentos em contextos como agricultura e construção.

É interessante notar que os babilônios não se preocupavam em fornecer uma prova formal do teorema, mas sim em aplicar suas propriedades de forma pragmática. Por exemplo, registros de terras agrícolas mostram o uso do teorema de Pitágoras na demarcação de campos retangulares. Eles reconheciam que um triângulo retângulo com lados proporcionais de $3$, $4$ e $5$ unidades, por exemplo, garantia um ângulo reto e, portanto, poderia ser usado para garantir a precisão nas medidas.

Essa abordagem prática e aplicada dos babilônios destaca a natureza evolutiva do conhecimento matemático, onde princípios fundamentais são descobertos e utilizados muito antes de serem formalizados por teóricos posteriores. Assim, a contribuição dos babilônios para o desenvolvimento do Teorema de Pitágoras reside não apenas na descoberta empírica, mas também na aplicação eficaz dessa relação geométrica em sua sociedade.

Origem dos termos cateto e hipotenusa

A etimologia das palavras "cateto" e "hipotenusa" está ligada à influência da língua grega na terminologia matemática. Ambos os termos são utilizados em contextos relacionados a triângulos retângulos.

Cateto: A palavra "cateto" tem sua origem no termo grego "kathetos" (κάθετος), que significa "vertical" ou "perpendicular". Essa escolha de termo reflete a posição dos lados que formam o ângulo reto em um triângulo retângulo, que são perpendiculares entre si.

Hipotenusa: A palavra "hipotenusa" também tem origem grega, derivada de "hypoteinousa" (ὑποτείνουσα), que é a junção das palavras “hypo”, que significa “sob”, “por baixo” e pela palavra “teinen”, que significa “esticar”, podendo ser traduzida como "estendida sob". Isso se refere ao lado oposto ao ângulo reto, que se "estende sob" os catetos, conectando-os.
Triângulo retângulo e seus lados: catetos e hipotenusa
[Triângulo retângulo e seus lados: catetos e hipotenusa]

Essas terminologias foram incorporadas à linguagem matemática e foram preservadas ao longo do tempo. A utilização de raízes gregas para nomear elementos geométricos reflete a influência duradoura da tradição matemática grega na construção do vocabulário matemático em várias línguas.

Formulação pelos pitagóricos

A formulação formal do teorema é atribuída à escola pitagórica, uma comunidade de pensadores liderada por Pitágoras, na Grécia do século VI a.C. A ideia fundamental é expressa pela relação matemática que afirma:

A soma dos quadrados dos catetos de um triângulo retângulo é igual ao quadrado da hipotenusa.
teorema-de-pitagoras-quadrados-sobre-os-lados
[Quadrados sobre os catetos e sobre a hipotenusa]

Essa formulação abriu caminho para uma compreensão mais abstrata e generalizada das relações geométricas, representando a transição de conceitos práticos para uma compreensão mais abstrata e teórica da geometria.

Elementos da formulação pitagórica

Triângulo retângulo: Os pitagóricos focaram inicialmente em triângulos retângulos, ou seja, aqueles que possuem um ângulo reto (90 graus). Identificaram a relação fundamental entre os comprimentos dos lados desse tipo específico de triângulo.

A importância dos quadrados: A percepção crucial foi o reconhecimento de que os quadrados construídos sobre os catetos (os lados que formam o ângulo reto) tinham uma relação específica com o quadrado construído sobre a hipotenusa (o lado oposto ao ângulo reto).

Sentença matemática: A formulação pitagórica pode ser expressa como:
$$
a^2+b^2=c^2
$$
onde $a$ e $b$ são os catetos, e $c$ é a hipotenusa de um triângulo retângulo.

Devemos esclarecer que quando dizemos “quadrado”, não estamos nos referindo necessariamente a figura geométrica “quadrado”, mas sim à área de um polígono qualquer.
teorema-de-pitagoras-generalizado-para-poligonos-sobre-os-lados-de-um-triangulo-retangulo
[O teorema de Pitágoras generalizado para a área de polígonos sobre os lados de um triângulo retângulo]


Demonstrações do Teorema de Pitágoras

Ao longo dos séculos, matemáticos desenvolveram diversas demonstrações do teorema. Desde as clássicas demonstrações geométricas, como a Proposição I-47 contida nos Elementos de Euclides e a de Leonardo Da Vinci, até abordagens mais algébricas, o teorema de Pitágoras tornou-se um ponto focal na teoria matemática.

O Teorema de Pitágoras é considerado o que possui maior quantidade de métodos de demonstração (mais de 400). Essas demonstrações não apenas reforçam a validade do teorema, mas também enriquecem a compreensão da matemática como um sistema lógico e coerente.

As demonstrações tendem a comprovar que a área sobre a hipotenusa é igual à soma das áreas sobre os catetos, podendo utilizar a geometria plana, a trigonometria, a geometria analítica, entre outros.
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[Prova do Teorema de Pitágoras, segundo Euclides] 

Demonstrações do Teorema de Pitágoras podem ser lidas nos links abaixo:

Fórmula para calcular os ternos pitagóricos 

Um terno pitagórico (ou tripla pitagórica) é formado por três números inteiros positivos $(a,b,c)$ que representam os lados de um triângulo retângulo e que obedecem à relação $a^2+b^2=c^2$. Se $(a,b,c)$ é um terno pitagórico, então $(ka,kb,kc)$ também é, para todo $k$ pertencente aos números naturais.

Um terno pitagórico primitivo é aquele que os três lados  $(a,b,c)$ do triângulo retângulo são primos entre si.

Um dos grandes feitos matemáticos dos gregos, posterior muitos séculos à tábua de Plimpton 322, foi mostrar que é possível encontrar três números $(a,b,c)$ que satisfazem à relação $a^2+b^2=c^2$ dados parametricamente por:
\begin{cases}
a = 2\ u\ v\\
\ \\
b = u^2 - v^2\\
\ \\
c = u^2 + v^2
\end{cases}
sendo $u>v$.

As fórmulas acima fornecem ternos pitagóricos se $u>v$, mas serão ternos pitagóricos primitivos se os valores atribuídos a $u$ e $v$ forem primos entre si de paridades diferentes, ou seja, um par e outro ímpar.

Abaixo podemos observar uma tabela contendo ternos pitagóricos. As linhas destacadas em azul são os ternos pitagóricos primitivos:

$u$ $v$ $a=$$2uv$ $b=$$u^2-v^2$ $c=$$u^2+v^2$
2 1 4 3 5
3 1 6 8 10
3 2 12 5 13
4 1 8 15 17
4 2 16 12 20
4 3 24 7 25
5 1 10 24 26
5 2 20 21 29
5 3 30 16 34
5 4 40 9 41
6 1 12 35 37
6 2 34 32 40
6 3 36 27 45
6 4 48 20 52
6 5 60 11 61
7 1 14 48 50
7 2 28 45 53
7 3 42 40 58
7 4 56 33 65
7 5 70 24 74
7 6 84 13 85
8 1 16 63 65
8 2 32 60 68
8 3 48 55 73
8 4 64 48 80
8 5 80 39 89
8 6 96 28 100
8 7 112 15 113
9 1 18 8 82
9 2 36 77 85
9 3 54 72 90
9 4 72 65 97
9 5 90 56 106
9 6 108 45 117
9 7 126 32 130
9 8 144 17 145

[Tabela de ternos pitagóricos]

A sequência de ternos pitagórigos primitivos está catalogada na OEIS sob o número A103606.


Significado filosófico

Além da importância matemática, o Teorema de Pitágoras reflete a busca dos pitagóricos por harmonia e ordem no universo. Eles acreditavam que os números e as relações matemáticas desempenhavam um papel fundamental na compreensão da natureza e do cosmos.

Os pitagóricos acreditavam que os números eram a base fundamental da realidade e que podiam ser aplicados para entender a natureza e a relação entre os lados do triângulo retângulo conectava os números e a geometria.

Pitágoras e seus seguidores consideravam que as relações matemáticas eram a chave para compreender a estrutura fundamental do universo. A ideia de que padrões numéricos e geométricos podiam ser encontrados em todas as coisas, desde as proporções do corpo humano até os movimentos dos planetas.
musica-das-esferas-pitagoras
[O conceito de música ser uma analogia perfeita para as funções do sistema solar existe desde os pitagóricos gregos, que acreditavam que os padrões geométricos do sistema solar denotavam notações musicais]

Uma parte interessante da filosofia pitagórica é a concepção da música das esferas, que postula a existência de uma harmonia divina e matemática entre o macrocosmo e o microcosmo. Os pitagóricos acreditavam que os movimentos dos corpos celestes geravam sons inaudíveis, e esses sons, quando traduzidos em termos musicais, formavam uma harmonia cósmica. A relação entre as proporções numéricas e as escalas musicais refletia, para eles, a ordem do universo.

A abordagem pitagórica influenciou muitos filósofos posteriores, como Platão, que valorizava a matemática como uma forma de acesso ao conhecimento eterno e universal. A ideia de que a realidade podia ser compreendida por meio de princípios matemáticos encontrou eco em várias tradições filosóficas ocidentais.

Legado e influência

A formulação pitagórica não apenas solidificou o entendimento do Teorema de Pitágoras, mas também influenciou o desenvolvimento subsequente da matemática grega e, eventualmente, da matemática ocidental. Essa formulação abstrata proporcionou uma base sólida para o desenvolvimento da geometria e álgebra, contribuindo para a ascensão da matemática como uma disciplina autônoma.

A formulação pelos pitagóricos não apenas estabeleceu um teorema fundamental na geometria, mas também inaugurou uma nova era de investigação matemática, marcada por uma abordagem mais abstrata e teórica em direção aos princípios fundamentais da disciplina.

Outras civilizações

Outras civilizações antigas, além dos babilônios e dos gregos, também faziam uso da propriedade do triângulo retângulo:

Egípcios: Embora não tenham formulado o teorema da mesma forma que os gregos, podemos encontrar papiros com evidências do uso prático pelos egípcios na construção de pirâmides e medições de áreas.

Indianos: No século VI a.C., o Período Védico é marcado por intensas transformações nos campos religioso e intelectual. Os matemáticos indianos contribuíram significativamente para o desenvolvimento da matemática. Textos Shulba Sutras fazem parte do corpo de textos maiores chamados Shrauta Sutras, considerados apêndices dos Vedas. São as únicas fontes de conhecimento da matemática indiana a partir do período védico e mostram conhecimento de triângulos com lados proporcionais, indicando compreensão similar ao teorema de Pitágoras.

Chineses: Na China antiga, há registros que matemáticos chineses também tinham compreensão das relações nos triângulos retângulos. No livro Was Pythagoras Chinese?, nos mostra que a demonstração do teorema já era conhecida pelos chineses muito antes do nascimento de Pitágoras. Isso é verdade, pois no livro Chou Pei Suan Ching, na dinastia Han, contém algumas explicações sobre triângulos retângulos que mais tarde foram reconhecidos como demonstrações do teorema de Pitágoras na antiga China.

É importante notar que, embora essas civilizações tenham demonstrado um entendimento prático de conceitos relacionados ao Teorema de Pitágoras, muitas vezes essas ideias não foram formuladas de maneira formal e teórica como na matemática grega. O conhecimento matemático era frequentemente utilizado para aplicações práticas, como na agricultura, construção e astronomia.

Importância no cotidiano atual

O Teorema de Pitágoras transcende seu contexto histórico e continua a ser uma ferramenta essencial no cotidiano. Muito embora seja amplamente ensinado em contextos tradicionais da Matemática, podemos ainda observar aplicações em diversas áreas, tais como Física, Astronomia, Arquitetura, Engenharias, Ciências Tecnológicas, Arte, Marcenaria, Logística, entre outras.

O Teorema de Pitágoras é milenarmente aplicado em engenharia civil e arquitetura para calcular distâncias, verificar a perpendicularidade de estruturas e garantir que construções estejam niveladas e alinhadas corretamente.

Na navegação marítima e aérea, o teorema é utilizado para calcular distâncias e coordenadas. Pilotos e navegadores podem usar princípios semelhantes para determinar a distância entre dois pontos em um mapa.

Em biologia, o Teorema de Pitágoras pode ser aplicado em estudos de ecologia para estimar áreas de habitats ou a distância entre locais de amostragem. Em física, ele é utilizado para analisar trajetórias e movimentos, por exemplo, em problemas relacionados a projeções de objetos.

Na área de computação gráfica, o teorema é frequentemente utilizado para determinar a distância entre pontos em um espaço tridimensional, sendo crucial em aplicações como design de jogos, modelagem 3D e realidade virtual.

Em algumas técnicas médicas, como a ressonância magnética, o Teorema de Pitágoras é aplicado indiretamente para calcular distâncias e garantir a precisão na localização de estruturas anatômicas.

Em análises de dados espaciais, o teorema pode ser utilizado para calcular distâncias euclidianas entre pontos. Isso é útil em estudos de mercado, análise de localização de empresas e em muitos campos relacionados à estatística e geografia econômica.

A relação entre comprimentos de cordas em instrumentos musicais segue os princípios do Teorema de Pitágoras. As notas musicais e suas frequências estão relacionadas proporcionalmente aos comprimentos das cordas, e isso é fundamental na construção e ajuste de instrumentos.

Em cinematografia, o teorema é utilizado na composição de cenas, ajustando distâncias entre objetos e câmeras para criar efeitos visuais específicos. Isso é crucial em áreas como efeitos especiais e animação.

Além do Teorema de Pitágoras

Pierre de Fermat conjecturou em 1637 um teorema que ficou conhecido como O Último Teorema de Fermat. Trata-se de uma generalização do Teorema de Pitágoras para expoentes inteiros positivos maiores que 2:
$$
a^n + b^n = c^n
$$
Fermat afirmou que para expoentes maiores que dois, não havia solução, no entanto, não provou.
O último teorema de Fermat Andrew Wiles Teorema de pitágoras
Muitos matemáticos se dedicaram para tentar demonstrar o caso genérico, mas a solução só viria em 1995 por Andrew Wiles. Neste meio tempo, matemáticos provaram casos particulares, por exemplo:
  • 1753: Leonhard Euler demonstrou o caso para $n=3$
  • 1825: Legendre demonstrou o caso para $n=5$
  • 1832: Dirichlet demonstrou o caso para $n=14$
  • 1839: Lamé demonstrou parcialmente  o caso para $n=7$
Andrew Wiles conseguiu o feito utilizando como base uma conjectura feita pelos matemáticos Yutaka Taniyama e Goro Shimura (conhecida como conjectura Taniyama-Shimura). Wiles percebeu que, se conseguisse demonstrar essaa conjectura, conseguiria provar o Último Teorema de Fermat.

Apesar do Último Teorema de Fermat não ter uma aplicação prática em nosso cotidiano, a busca por sua solução possibilitou o desenvolvimento de sofisticadas ferramentas que enriqueceram a matemática moderna.


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Referências

  • Introdução à História da Matemática - Howard Eves
  • História da Matemática - Carl Boyer
  • Os Elementos de Euclides
  • https://pt.wikipedia.org/wiki/Pit%C3%A1goras
  • https://pt.wikipedia.org/wiki/Terno_pitag%C3%B3rico
  • https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsica_das_esferas
  • https://en.m.wikipedia.org/wiki/Shulba_Sutras
  • https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-exatas-e-da-terra/a-matematica-em-nosso-dia-a-dia-mais-constante-do-que-imaginamos/
  • https://www.dm.ufscar.br/~sampaio/tccs/TCCB-HuangShinYi.pdf 
  • https://www.fc.unesp.br/Home/Departamentos/Matematica/revistacqd2228/v06a03-teorema-de-pitagoras.pdf

Veja mais:

COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO: Título: O Teorema de Pitágoras: Uma jornada através da história. Publicado por Kleber Kilhian em 27/12/2023. URL: . Leia os Termos de uso.


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