23/11/2024

A Geometria: da Grécia Antiga à Modernidade

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1. A Grécia antiga: a sistematização da geometria (do século VI ao século II a.C.)

A ciência lida com a investigação, e a filosofia, com a especulação. Mas sabemos que os vários campos da ciência começaram como exploração filosófica. Tanto uma quanto a outra começam quando alguém faz perguntas de caráter geral, por tanto o discurso filosófico e a investigação científica estão intimamente vinculados.
 
Como as conhecemos hoje, a ciência e a filosofia são invenções gregas. Foram os gregos os primeiros a evidenciarem esse tipo de curiosidade. No espaço de cinco séculos, na passagem dos períodos arcaico (séculos VI e V a.C.), clássico (séculos V e IV a.C.) e helenístico (séculos IV, III e II a.C.) da civilização helênica, os gregos produziram uma miríade de atividades intelectuais: ciência, filosofia, retórica, literatura, arte e política, criando um dos processos mais espetaculares da história da humanidade, o qual estabeleceu os padrões gerais da modernidade.
 
 

1.1. O Período Arcaico – As escolas pré-socráticas (séculos VI e V a.C.)

A civilização ocidental, que brotou das fontes gregas, baseia-se numa tradição filosófica e científica que remonta à cidade de Mileto, cerca de 2.600 anos atrás.
 
Dentro dessa tradição, vejamos a história da geometria. O termo é composto de duas palavras gregas: geos (terra) e metron (medida). Essa denominação deve a sua origem à necessidade que, desde os tempos remotos, o ser humano teve de medir terrenos.
 
Ainda que muitos conhecimentos de natureza geométrica tenham surgido em civilizações mais antigas, como a egípcia, a babilônica, a chinesa ou a hindu, a geometria, como ciência dedutiva e campo especulativo, teve seu início com os filósofos científicos milésios na Grécia Antiga.
 
Dentre muitos outros, três famosos problemas da geometria são invenções gregas: a duplicação do cubo (a construção de um cubo cujo volume seja o dobro do de outro cubo pré-existente), a quadratura do círculo (a construção de um quadrado com área igual à de determinado círculo) e a trissecção de um ângulo (a divisão de um ângulo em três ângulos de mesma medida).
 
Tanto o par filosofia/ciência como a primeira escola filosófica científica, de acordo com a tradição, surgiram em Mileto. Os representantes da escola milésia são Tales, Anaximandro e Anaxímenes.
 
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Tales de Mileto (624-546 a.C.) foi o primeiro filósofo ocidental de que se tem notícia. Ele é o marco inicial da filosofia ocidental. Apontado como um dos sete sábios da Grécia Antiga e o fundador da Escola Jônica, foi considerado também o primeiro filósofo da physis (natureza), porque outros, depois dele, seguiram seu caminho buscando o princípio da constituição e funcionamento da natureza.
 
Tales considerava a água como sendo a origem de todas as coisas. E seus seguidores, embora discordassem da substância primordial que constituía a essência do universo, concordavam com ele no que dizia respeito à existência de um princípio único para essa natureza primordial.
 
Na geometria, o Teorema de Tales afirma que quando duas retas transversais cortam um feixe de retas paralelas, as medidas dos segmentos correspondentes determinados nas transversais são proporcionais.  Sobre Tales, Bertrand Russell afirma que:
 
... é certo que ele aplicou o método do polegar, usado pelos egípcios para determinar a altura de uma pirâmide, a fim de descobrir a distância de navios e de outros objetos inacessíveis. Isso indica que ele tinha noção de que as regras geométricas são de aplicação geral. Esta noção do geral é original e grega."
 
Enfim, Tales usou propriedades de figuras geométricas para a determinação de distâncias sobre a superfície terrestre.
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Anaximandro de Mileto (610-546 a.C.) foi discípulo de Tales. Atribui-se a ele a confecção de um mapa do mundo habitado, a introdução do uso do Gnômon (relógio solar) na Grécia, a medição das distâncias entre as estrelas e o cálculo de sua magnitude, sendo, assim, o iniciador da astronomia grega.
 
Anaximandro acreditava que o princípio de tudo é uma coisa chamada ápeiron (ilimitado), que é algo infinito tanto no sentido quantitativo (externa e espacialmente) quanto no sentido qualitativo (internamente). Esse ápeiron é algo insurgido (não surgiu nunca, embora exista) e imortal.
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Anaxímenes de Mileto (585-525 a.C.), discípulo e continuador da escola milésia, concordava com Anaximandro quanto ao ápeiron e às características desse princípio. Postulava, no entanto, que o ápeiron fosse o ar. Enquanto Tales sustentava a ideia de que a água é o elemento fundamental de toda a matéria, Anaxímenes dizia que tudo provém do ar e retorna ao ar.
 
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Entre os gregos, foi Pitágoras (580/572-500/490 a.C.), discípulo de Tales, que desenvolveu, pela primeira vez, um interesse pela matemática não ditado fundamentalmente por necessidades práticas. A escola que ele criou associava tudo o que existe na natureza com os números, sendo assim, responsável pelo estudo da geometria (forma) com a aritmética (número).
 
Pitágoras criou um método de calcular, desenvolvendo um meio de representar os números através de combinações de pontos ou seixos. Por esse método, certas séries aritméticas combinam linhas de seixos, cada uma contendo um a mais do que a anterior. Por exemplo, o tetraktys consistia de quatro linhas e demonstrava que $1+2+3+4=10$. Similarmente, a soma de números ímpares sucessivos dá origem a um número quadrado $(1, 4, 9, 16,\cdots)$, e a soma de números pares sucessivos, a um número oblongo $(2, 6, 12, 20,\cdots)$.
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Na geometria espacial, Pitágoras preocupou-se com o tetraedro, o cubo, o dodecaedro e a esfera. A harmonia das esferas era, para a Escola Pitagórica, a origem de tudo. Em seu mais famoso teorema, atualmente denominado Teorema de Pitágoras, descobriu a proposição de que o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos. Ele e seus discípulos usaram certos axiomas ou postulados e, a partir desses, deduziram um conjunto de teoremas sobre as propriedades de pontos, linhas, ângulos e planos.
 
O estudo de padrões numéricos, que estavam no cerne da matemática pitagórica, dizem respeito aos números figurados. Não deve ter havido um teorema geométrico sobre o triângulo retângulo demonstrado pelos pitagóricos, e sim um estudo das chamadas triplas pitagóricas ou ternos pitagóricos.
 
 

1.2. O Período Clássico – A Escola Ateniense (séculos V e IV a.C.)

Sócrates (470-399 a.C.) nada escreveu. A maior parte do que sabemos de sua filosofia devemos, principalmente, a dois de seus discípulos: Xenofonte (427-355 a.C.) e, em especial, Platão (428/427-348/347 a.C.). Em muitas partes das obras de Platão, principalmente nas obras da juventude, é difícil discernir se se trata de pensamento orginalmente socrático ou platônico. Seja como for, pode-se dizer que, na posição de herdeiro de Sócrates e dos pré-socráticos, fundador da Academia e mestre de Aristóteles, Platão produziu uma síntese das lutas doutrinárias das escolas milésia, jônica, pitagórica, eleática e pluralista e fixou uma plataforma no vórtice do pensamento filosófico-científico grego.
 
Interessou-se muito pela geometria ao longo de seu ensinamento, evidenciando a necessidade de demonstrações rigorosas. No frontispício da Academia, lia-se emblematicamente a inscrição: "Que nenhum desconhecedor da geometria entre aqui."
 
Platão idealizava os cinco sólidos perfeitos: o cubo (terra), o tetraedro (fogo), o octaedro (ar), o icosaedro (água) e o dodecaedro (elemento que permearia todo o Universo). Devia-se a esses sólidos a explicação de tudo e de como tudo existia no cosmos.
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Em um dos diálogos platônicos, um discípulo pergunta: O que faz Deus?, e Platão responde sabiamente: Deus eternamente geometriza. Uma das essências do pensamento platônico é essa ideia de que Deus é o grande geômetra, Deus geometriza sem cessar, ideia tomada de empréstimo de Pitágoras e retomada por inúmeros pensadores da posteridade, como, por exemplo, Galileu Galilei, quando este diz que a matemática é o alfabeto com que Deus escreveu o universo, ou ainda Stephen Hawking, em seu famoso Uma breve história do tempo, quando diz que entender a estrutura geométrica do cosmos é entender a mente de Deus.
 
Para Platão, portanto, a verdade só pode ser encontrada no mundo abstrato da razão, habitado por formas geométricas. Assim, a percepção sensorial da realidade é falsa. Somente em nossas mentes existe, por exemplo, o círculo perfeito. Qualquer tentativa de representação do círculo será necessariamente imperfeita.
 
 

1.3. O Período Helenístico – A Escola Alexandrina (séculos IV, III e II a.C.)

A geometria chegou a seu ápice na Antiguidade com os geômetras alexandrinos, Euclides, Apolônio e Arquimedes.
 
Euclides (360-295 a.C.), de origem desconhecida, foi educado em Atenas e frequentou a Academia platônica no período de desenvolvimento da cultura helenística, onde, provavelmente, recebeu os primeiros ensinamentos de matemática dos discípulos de Platão. A convite de Ptolomeu I, governante helenístico do Egito, Euclides mudou-se para Alexandria, cidade fundada por Alexandre Magno no litoral mediterrâneo do Egito e que havia se tornado a nova capital egípcia e o centro econômico e intelectual do mundo helenístico.
 
Nessa cidade, Euclides, organizando os resultados obtidos por matemáticos anteriores, fundou a escola de matemática da famosa Biblioteca de Alexandria e escreveu sua obra monumental "Stoichia" (Os elementos), que se compunha de 13 volumes dedicados aos fundamentos e ao desenvolvimento lógico e sistemático da geometria, sendo cinco volumes sobre geometria plana, três sobre números, um sobre a teoria das proporções, um sobre incomensuráveis e os três últimos sobre geometria no espaço. Os elementos cobriam toda a aritmética, a álgebra e a geometria conhecidas até então no mundo grego e sistematizavam todo o conhecimento geométrico dos antigos. Intercalava os teoremas já conhecidos com as demonstrações de muitos outros, que completavam lacunas e davam coerência e encadeamento lógico ao sistema criado por Euclides.
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Euclides escreveu ainda A divisão de figuras, que trata da divisão de figuras planas; Os fenômenos, que trata da geometria aplicada à astronomia; Óptica, que trata da geometria dos raios refletidos e dos raios refratados; Introdução harmônica, que trata da música. Outras obras de Euclides perderam-se: Lugares de superfície; Pseudaria; Porismas e As cônicas. Esta, conforme referências de outros autores, tratava de esferas, cilindros, cones, elipsoides, paraboloides, hiperboloides, etc. A geometria euclidiana reinou absoluta até o século XIX, quando foi parcialmente contestada pelos criadores das geometrias não-euclidianas. Depois de Euclides, três outros matemáticos renomados surgiram em Alexandria: Arquimedes, Apolônio e Diocles.
 
Arquimedes (287-212 a.C.) nasceu em Siracusa, uma cidade-estado da Magna Grécia. Em sua juventude, estudou em Alexandria com Cônon, um dos discípulos de Euclides. Embora na Antiguidade não houvesse ainda uma clara distinção entre matemáticos (geômetras), físicos (cientistas naturais) e filósofos, Arquimedes destacou-se ao longo de sua vida, principalmente, como matemático e inventor. Inventou muitas máquinas, tanto para uso civil (o parafuso de Arquimedes – ou parafuso sem fim – para elevar a água a um plano superior; um planetário para se observar as fases e os eclipses da lua), quanto para uso militar (as catapultas; os guindastes; os espelhos parabólicos incendiários; um engenho que consistia em um bloco com polias e cordas), com os quais a sua cidade, Siracusa, conseguiu resistir às hostes romanas durante mais de dois anos.
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No campo da física, em seu Tratado dos corpos flutuantes, Arquimedes estabeleceu as leis fundamentais da estática e da hidrostática, entre eles o Princípio de Arquimedes: todo corpo mergulhado total ou parcialmente em um fluido sofre um empuxo vertical, dirigido de baixo para cima, igual ao peso do volume do fluido deslocado, e aplicado no centro de impulsão. O centro de impulsão é o centro de gravidade do volume, que corresponde à porção submersa do corpo. Isso quer dizer que, para o objeto flutuar, o peso da água deslocada pelo objeto tem de ser maior que o próprio peso do objeto.
 
Em mecânica, atribui-se a ele, além do parafuso sem fim, a roda dentada, a roldana móvel, o sarilho e a alavanca. Em relação a sua descoberta do princípio da alavanca, teria dito: "Deem-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu moverei o mundo".
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Em geometria e matemática, Arquimedes fez descobertas importantes. No tratado Sobre as medidas do círculo, inscreveu e circunscreveu um polígono de 96 lados em um dado círculo, obtendo a fórmula para o cálculo da área dessa figura. Dessa forma, criou um método para calcular o valor do número $\pi$ (a razão entre o perímetro de uma circunferência e seu diâmetro) com maior precisão.
 
🔗 Link do artigo: Uma breve cronologia de $\pi$
 
No tratado A quadratura da parábola , demonstrou que a área contida por um arco de parábola e uma reta secante é $4/ 3$ da área do triângulo com a mesma base e cujo vértice é o ponto onde a tangente à parábola é paralela à base. No tratado Sobre as espirais, descreveu a curva hoje conhecida como A Espiral de Arquimedes e pela primeira vez determinou a tangente a uma curva que não seja o círculo. Também aperfeiçoou o sistema grego de numeração, criando uma notação cômoda para os números muito grandes, semelhante ao atual sistema exponencial. Apresentou ainda os primeiros conceitos de limite e cálculo diferencial, cerca de 19 séculos antes de Isaac Newton e Gottfried Leibniz.
 
Apolônio de Perga (262-190 a.C.) foi outro pensador grego da escola alexandrina. Conhecido como o grande geômetra, Apolônio é considerado um dos mais originais matemáticos gregos no campo da geometria. Viveu durante os últimos anos do século III e primeiros do século II a.C.. Ainda jovem, deixou Perga e foi para Alexandria, atraído por seu museu e sua biblioteca. Estudou, aí, com os sucessores de Euclides.
 
Apolônio é autor do tratado As cônicas, composto por oito livros, nos quais demonstra centenas de teoremas recorrendo aos métodos geométricos de Euclides. Dos oito livros desse tratado, só sobreviveram sete: A seção da relação, A seção do espaço, A seção determinada, As inclinações, Os lugares planos, Os contatos e Okytokion. Nesse tratado, Apolônio mostra, entre outras coisas, que de um único cone podem ser obtidas, além do círculo, três outras espécies de seções cônicas, bastando para tal fazer variar a inclinação do plano de corte: a parábola é a curva que se obtém ao cortar uma superfície cônica com um plano paralelo à sua geratriz; a elipse é a curva que se obtém ao cortar uma superfície cônica com um plano que não é paralelo a nenhuma das geratrizes; a hipérbole é a curva que se obtém ao cortar uma superfície cônica com um plano paralelo às duas geratrizes.
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Apolônio utiliza pela primeira vez os termos parábola, elipse e hipérbole para designar essas curvas, posto que, para a tradição pitagórica, o termo elipse era usado quando um retângulo de área dada era aplicado a um segmento que lhe faltava um quadrado; o termo hipérbole era usado quando a área excedia o segmento; o termo parábola era usado quando não havia nem excesso nem falta.
 
As seções cônicas desempenham papel relevante na física e na matemática atual. Por exemplo, as órbitas dos planetas são elipses, a trajetória dos foguetes balísticos são parábolas, os espelhos dos telescópios são parabólicos, etc. Parece que, desde As cônicas, só se descobriram novas propriedades cônicas no século XIX, quando as elipses, as parábolas e as hipérboles começaram a ser estudadas na geometria projetiva.
 
🔗 Link do artigo: O Teorema de Papus
 
Somente duas obras de Apolônio conservaram-se até nós: As cônicas, e Dividir segundo uma razão. Esta é constituída por dois livros, nos quais Apolônio resolve o seguinte problema: dadas duas retas e um ponto em cada uma, traçar por um terceiro ponto dado uma reta que corte sobre as retas dadas segmentos que estejam numa razão dada.
 
Diocles (240-180 a.C.) era contemporâneo de Apolônio de Perga. É tido como o primeiro a provar a propriedade focal da parábola. Criou a curva conhecida por Cissoide de Diocles, a qual era usada para resolver o problema da duplicação do cubo.
 

2. O mundo moderno: a fundação da geometria analítica

Por vários séculos, todo o conhecimento filosófico-científico grego sobre a geometria, desenvolvido entre os séculos VI e II a.C. por gerações de pensadores mistura de matemáticos (geômetras), físicos (cientistas naturais) e filósofos, permaneceu praticamente inalterado. O mundo medieval europeu optou pela filosofia aristotélica, purgando-a e filtrando-a com o olhar da religião cristã e adequando-a às necessidades de seu tempo histórico, e nada, ou quase nada, salvo engano, acrescentou aos desenvolvimentos geométricos gregos. A geometria avançou muito pouco desde o final da era grega até a Idade Média.
 
 
Foi a partir do Renascimento que começou a ocorrer um resgate da ciência grega, eclipsada até aquele momento. Por volta desse período, os séculos XIV, XV e XVI, exatamente na passagem do Feudalismo para o Ancien Régime, ou do mundo medieval para o mundo moderno, diversos matemáticos retomam os estudos sobre a geometria.
 
É o caso, por exemplo, de Leonardo Fibonacci (1170-1240), que, em 1220, já no século XIII, escreve sua obra Practica geometriae, uma coleção sobre trigonometria e geometria, que aborda as teorias de Euclides e o Teorema de Pitágoras.
 
Outro caso é o de Johannes Kepler (1571-1630), matemático e astrônomo alemão, que formulou as três leis fundamentais da mecânica celeste, hoje conhecidas como Leis de Kepler, e dedicou-se também ao estudo da óptica. Kepler conhecia tanto o sistema planetário de Ptolomeu (85-165) quanto o de Nicolau Copérnico (1473-1543). Em 1596, publicou Mysterium cosmographicum , em que expôs argumentos favoráveis às hipóteses heliocêntricas de Copérnico.
 
🔗 Link do artigo: O modelo geocêntrico de Ptolomeu
 
Seguindo as observações do astrônomo dinamarquês, Tycho Brahe (1546-1601), Kepler formulou, em sua obra Astronomia nova, de 1609, suas três célebres leis do movimento planetário, que desafiavam a astronomia e a física de Aristóteles e Ptolomeu:
  1. as órbitas dos planetas não são circunferências, como se supunha até então, mas sim elipses com o Sol em um dos focos;
  2. os planetas movem-se com velocidades diferentes, dependendo da distância a que estão do Sol;
  3. existe uma relação entre a distância do planeta e o tempo que ele demora para completar uma revolução em torno do Sol. Portanto, quanto mais distante estiver do Sol mais tempo levará para completar sua volta em torno dessa estrela.
Essas leis mudaram a astronomia e a física. Em 1615, Kepler publicou a influente obra Nova stereometria doliorum vinariorum (Nova estereometria de barris de vinho), que trata do cálculo do volume de recipientes, como os barris de vinho ou azeite.
 
 
Nessa retomada da geometria grega pelos modernos, Bertrand Russel afirma que Platão surge como o precursor da principal tradição da ciência moderna. O ponto de vista de que tudo pode ser reduzido à geometria é explicitamente sustentado por Descartes e, de modo diferente, por Einstein. Essa retomada renascentista do pensamento científico platônico destrona a tradição medieval de um aristotelismo purgado pelo cristianismo.
 
Os filósofos matemáticos gregos ocuparam-se, de modo especial, com a unificação da aritmética e da geometria, problema que René Descartes (1596-1650), por volta de 2000 anos depois, em 1637, resolveu com brilhantismo, ao forjar uma conexão entre a geometria e a álgebra, demonstrando como aplicar os métodos de uma disciplina na outra. Nesse ano, Descartes publicou três pequenos ensaios: La dioptrique, Les météores e La géométrie precedidos dos Discours de la méthode pour bien conduire sa raison et chercher la vérité à travers le sciences. No ensaio, La géométrie, o Descartes criou os fundamentos da geometria analítica, com a qual ele pôde representar as figuras geométricas através de expressões algébricas.
 
Historicamente, se os matemáticos gregos usaram figuras geométricas para resolver equações (álgebra geométrica), os matemáticos modernos do século XVII, em especial René Descartes e Pierre de Fermat, a partir da herança grega, seguiram o caminho inverso, traduzindo as relações geométricas por equações (geometria analítica). Descartes e Fermat, para a formulação da moderna geometria analítica, debruçaram-se sobre os trabalhos do matemático francês, François Viète (1540-1603), para compreender a análise que os gregos tinham feito da geometria e, usando as mesmas técnicas de base de Viète, para relacionar álgebra e geometria.
 
 
Comumente, René Descartes é o nome mais lembrado quando se pensa na fundação da geometria analítica na primeira metade do século XVII. Não podemos nos esquecer, entretanto, de que outro francês, Pierre de Fermat (1601-1665), contemporâneo de Descartes, foi também um pensador responsável por esse grande avanço científico que resultou na geometria analítica. Curiosamente, Descartes e Fermat não trabalharam juntos.
 
 
Independentemente de Descartes, Fermat descobriu os princípios fundamentais da geometria analítica. Em ciência, a geometria analítica é um dos muitos casos de descobertas simultâneas e independentes, assim como o Cálculo por Newton e Leibniz. O que não deixa de ser um fenômeno particularmente espantoso, comparável ao paralelismo expresso pela saída do neolítico das civilizações suméria e egípcia: quase simultaneamente nasce uma mesma teoria notável a partir dos cérebros de dois matemáticos que não se comunicavam entre si. Parece que Descartes foi movido por razões filosóficas, e Fermat, por seu grande entusiasmo pela matemática.
 
O interesse de Fermat pela matemática foi possivelmente despertado pela leitura de uma tradução latina da Aritmética, do matemático alexandrino Diofanto (200/214-284/298), conhecido como o pai da álgebra. Essa é uma das obras sobreviventes da Biblioteca de Alexandria, queimada pelos árabes em 646 d.C.
 
 
O legado de Fermat é composto por contribuições inestimáveis nas mais diversas áreas da matemática: cálculo geométrico e infinitesimal; teoria dos números (ramo da matemática que estuda as propriedades dos números); e, juntamente com Blaise Pascal (1623-162), foi um dos fundadores da Teoria da Probabilidade.
 
Fermat obtinha, com seus cálculos, as áreas de seções de parábolas e hipérboles, determinava o centro de massa de vários corpos, etc. O próprio Isaac Newton (1643-1727) disse em uma nota que seu cálculo, antes tido como uma invenção independente, fora baseado no método de Fermat para estabelecer tangentes.
 
O mais famoso teorema de Fermat, conhecido como Último Teorema de Fermat, versa sobre a teoria dos números. O teorema fora escrito pelo próprio autor às margens do Aritmética de Diofanto, seguido da seguinte frase: "Eu tenho uma demonstração realmente maravilhosa para esta proposição, mas esta margem é muito estreita para contê-la".
 
O Último Teorema de Fermat afirma que não existe soluções inteiras para a equação $a^n+b^n=c^n$, para $n >2$.
 
A contribuição de Fermat à geometria analítica encontra-se num pequeno tratado intitulado Ad locus planos et solidos isagoge (Introdução aos lugares planos e sólidos) e data, no máximo, de 1636, mas que, pelo fato de o matemático ser modesto e avesso à publicação de seus trabalhos, só foi publicado postumamente em 1679, junto com o restante de sua obra. Disso resulta, em parte, o fato de Descartes ser mais comumente lembrado que Fermat como o criador da geometria analítica.
 
Portanto, tradicionalmente, a geometria analítica é tida como uma invenção primordialmente cartesiana, a partir da obra La Géométrie, de 1637, tradição que, em certa medida, ofuscou, e relegou a segundo plano, a contribuição de Pierre de Fermat, a partir de sua obra, Introdução aos lugares planos e sólidos, de 1636, mas só publicada em 1679.
 
Ronda a pergunta: quem é merecedor do título de fundador da geometria analítica? Embora esse ramo da matemática tenha se desenvolvido, sobretudo, sob a influência da obra La Géométrie, de Descartes, essa não pode ser considerada a primeira obra sobre o assunto. Essa controvérsia tem seus méritos autorais e históricos, mas não é, do ponto de vista do conhecimento geométrico, a questão mais interessante sobre o assunto. Talvez, tendo em vista a consideração de que ambos os autores foram co-fundadores da geometria analítica, seria mais estimulante explorar as diferenças nas estratégias utilizadas por cada um deles para o avanço científico nesse ramo da geometria.
 
Concatenando a simbiose de álgebra e geometria, a geometria analítica ensina a representar entes geométricos (pontos, retas, circunferências, etc.) por meio de entes algébricos (números, equações, etc.). Tornou-se possível, doravante, resolver facilmente, através da álgebra e da aritmética, problemas que eram muito difíceis à luz da geometria pura até então conhecida.
 
 
Referências:
  • Geometria Analítica - Fabiano José dos Santos & Silvimar Fábio Ferreira
COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO: Título: A Geometria: da Grécia Antiga à Modernidade. Publicado por Kleber Kilhian em 23/11/2024. URL: . Leia os Termos de uso.


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